sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Memória do cangaço na vizinhança

Amarga visita para Diomédio.
Por: Kiko Monteiro

Em julho deste ano, à convite do professor e memorialista Salomão Santos, e na boleia do confrade Narciso Dias (presidente do Grupo Paraibano de estudos do Cangaço - GPEC), fomos realizar uma pesquisa de campo na cidade baiana de Adustina. São vários os fatos ocorridos naquele território que se chamava à época Bonfim do Coité e pertencia ao município de Paripiranga. Realizamos a viagem no intuito de conhecer e fotografar a sepultura de um cangaceiro. O que eu nunca imaginei é que logo ali a 60km de minha cidade ainda pudesse encontrar testemunhas oculares dos fatos que aterrorizavam a região na década de trinta.

Patrocínio do Coité como era chamada no passado foi berço dos cangaceiros Saracura e Vinte e Cinco. A sede do município só foi atacada uma única vez, mas os distritos serviam como se dizia à época como “corredor de cangaceiros” que transitavam entre Jeremoabo, Bebedouro (Atual Cel. João Sá), Pinhão, Carira, Serra Negra (Atual Pedro Alexandre) etc.


Aspecto de Paripiranga na década de 30.
 Acervo: Roberto Santos

Através do livro “Adustina sua História” do pesquisador Roberto Santos de Santana tomamos conhecimento que o senhor Diomédio Martins dos Santos, um lavrador, residente num povoado próximo, havia apanhado dos cabras de um famoso cangaceiro, estava vivo pra nos contar esta história. A julgar pela idade atual de nosso depoente, noventa e três anos, deduzimos que o fato ocorre entre 1933/1934.



A história do lugar resguardada no livro de Roberto Santos.

Os cangaceiros tinham feito uma pilhagem na bodega de Manoel de Lia situada no Baixão de Carrolino, lugar bem próximo à Paripiranga e rumaram para o Olho D´água de Fora que hoje pertence à Adustina. Seu Diomédio contava treze anos de idade e morava com os avós.

Naquele dia estava somente ele e a irmã caçula. Da janela percebeu a aproximação de uma gente fardada montada em cavalos no terreiro da casa. Pensou ele se tratar de uma força Volante que guarnecia os povoados. Ele que portava uma pequena faca de ponta na cintura jogou-a embaixo da cama e correu pra sala. Lá estavam todos aqueles homens e duas mulheres, recorda que eram ao todo oito. Um deles, sem cumprimentar e nem fazer arrodeio, pergunta se tinha açúcar. Diomédio respondeu positivamente.


Narciso Dias, Catarina (esposa de Narciso) e o professor Salomão,
atentos às memórias de Seu Diomédio.


Em seguida, o mesmo cabra emenda:
      
     - E Ouro?

O menino negou, e foi então que percebeu que estava diante de cangaceiros. Todavia, antes que pudesse formular uma desculpa, a irmã, que ouvia a conversa da cozinha, respondeu sem entender a pergunta feita pelo cabra. Não imaginava o perigo que corriam:
     
     – Tem, e é uma mochila cheia.

Um dos cabras, percebendo a possível mentira de menino, deu-lhe um soco no abdômen  que o fez cair ao chão. Tomado por uma repentina emoção, Diomédio viaja ao momento do episódio: Então me levantei e pedi para que entendesse, se quisesse bater, batesse, mas o que nós tínhamos era açúcar e não diacho de ouro. O resultado é que fui agredido pelo cabra novamente. Um deles visivelmente embriagado pela cachaça que furtara da venda de seu Manoel jogou a própria companheira para cima de mim, dizendo:

     - Tome esta mulher pra você!!!
     Nesse momento a cabroeira foi ao delírio. Ai eu gritei com mais raiva ainda: - Não quero porqueira de mulher nenhuma.
     E um outro cabra se alterou inda mais. - Espia, quer dizer que é porqueira é? Ele não vai contar mesmo, atira neste cachorrinho.

Ai um deles manobrou um fuzil e o encostou na minha barriga e pediu pressa na localização da tal mochila de ouro. Era pra intimidar a todo custo.
     
     Eu ainda insisti:  - Não tem peste de ouro, o que tem aqui é açúcar, a menina entendeu errado.

O cangaceiro que perguntou pelo ouro, então, decide: 
    
     - Então você vai com a gente!
     - Pois, não saio daqui pra lugar nenhum - Disse o moleque Diomédio sem estremecer.

E a cada negativa tome couro.


Diomédio Martins dos Santos: Um caboclinho destemido.
Foto: Kiko Monteiro

Para sua salvação entrou na casa o chefe do grupo que, reprovando com severidade, ordenou que não batessem no jovem. E que se retirassem imediatamente, pois teve noticias que uma Força estava a caminho do povoado. - Nem o açúcar levaram. Mais tarde ele soube que aquele homem era o chefe do ‘coloio’, o afamado “Anjo” Roque Labareda. Que já comandava seu próprio grupo e tinha naquela região entre Bahia e Sergipe sua "base de operações".

A narrativa ainda prossegue. Diomédio fala vagamente sobre um "fogo" ocorrido no dia seguinte à esta visita, que resultou na morte de um dos cabras de Ângelo Roque... Como o próprio Diomédio não recordava maiores detalhes e nós não obtivemos confirmação nem sobre a volante envolvida nem quanto à identidade do cangaceiro abatido, preferimos nos ater ao fato mais consistente que já faz de seu Diomédio mais que uma testemunha, uma personagem do Cangaço em Paripiranga.

Aguardem mais uma das histórias colhidas nesta nossa breve e proveitosa diligencia em Adustina.

Reitero nossa gratidão pelo convite e amizade do professor Salomão; Pela agradável companhia do casal Narciso e Catarina e pelo suporte técnico do "oráculo" Sergio Dantas na composição deste artigo.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

A vida após o cangaço

O destino de um "cabra" na selva da cidade

Jornal "O globo" 19 de abril de 1991



Quando o cangaceiro Severino Garcia Santos, "o Relâmpago", chegou ao Rio de Janeiro na década de 40, sabia que suas aventuras na caatinga, ao lado de Lampião e seu bando, haviam terminado. Mas o companheiro de Virgulino Ferreira da Silva não imaginava que, depois de lutar e ser perseguido pelos macacos (Polícia) durante vários anos morreria, aos 84 anos, longe de sua peixeira de estimação, e de uma maneira tão inglória: no INSS, tentando receber sua pensão de Cr$15.100.

Um mês atrás, por estar muito doente Relâmpago pedira a um amigo, o pastor Feliciano Teixeira Filho, da “Igreja Pentecostal Cristo é a Resposta”, que passasse a receber a pensão do INSS em seu lugar.

Aposentado como ferreiro do “Estaleiro Caneco”, ele havia sido internado recentemente na “Casa de Saúde de Irajá”, e tinha dificuldades para se locomover.


O pastor Feliciano Teixeira, na porta da sala onde morreu Severino

Às 8 horas de ontem, o pastor Feliciano chegou ao prédio do INSS na Avenida Presidente Vargas, 418, a fim de receber uma autorização para sacar a pensão do amigo. Após passar por vários departamentos, foi informado de que era preciso apresentar o carnê de benefício e os documentos de Relâmpago.  Embora tenha explicado que o ex-cangaceiro estava doente em sua casa, no bairro as Saúde, aguardando que o amigo levasse alguns remédios que compraria com o dinheiro da aposentadoria, o pastor não conseguiu a autorização.

Ao tomar conhecimento das exigências do INSS “– que qualificava como uma casa de ladrões”..., Relâmpago levantou-se da cama e disse a Feliciano:

- Eles querem ficar com o meu dinheiro. Vamos lá para resolver essa parada.

O pastou ainda tentou fazê-lo desistir, argumentando que o dinheiro de que dispunham, Cr$ 700, mil dava para o táxi. Relâmpago insistiu, afirmando que iria de qualquer maneira, a pé ou de carona. Acabaram se decidindo pelo táxi e restaram apenas Cr$ 30 de troco. Ao chegar ao prédio do INSS, os dois amigos percorreram diversas salas, subindo e descendo as escadas entre a sobreloja e o segundo andar. Eram 12h30m.

De repente ele começou a sentir falta de ar. Então, decidimos subir até o décimo-terceiro andar, onde funciona a Unidade de Assistência de Recursos Sociais, na esperança de resolvermos o problema. O Severino (o ex-cangaceiro Relâmpago) disse que provaria de qualquer maneira, que ele era uma pessoa de confiança e que podia receber o benefício em nome dele. "- Quando, finalmente, estávamos sentados em frente à assistente social, ele deu o suspiro e morreu" – contou o pastor Feliciano.

Embora aparentemente o ex-cangaceiro tenha sido vítima de uma parada cardíaca, o Delegado da 1ª DP (Praça Mauá), Plácido Moreira, registrou o caso como morte suspeita, e ouvirá Feliciano e as pessoas que atenderam Severino nos próximos dias.

Apesar de sua idade, há um ano Relâmpago fora preso por esfaquear o agente de trânsito do Detran Jorge de Oliveira Ribas, de 66 anos, após uma discussão sobre o preço de uma cabeça de peixe num bar na Praça Tiradentes. Na época, o ex-cangaceiro se vangloriara dizendo que, quando vivia no sertão, tivera 12 mulheres e matara mais de 20 pessoas com Lampião.


Fonte: Acervo Histórico de O Globo (Página restrita)