terça-feira, 30 de outubro de 2012

Vem por aí

Benedito Ruy Barbosa escreve série sobre cangaço

Por Alberto Pereira Jr.


Benedito Ruy Barbosa, 81, tem três projetos seus na fila por um espaço na programação da Globo. Além de uma série sobre o poeta baiano Castro Alves (1847-1871) e uma novela das 21h chamada "Velho Chico", Benedito entregou recentemente à direção da emissora o texto de uma série ambientada no cangaço.

Intitulada "O Cerco", a trama se passa no nordeste do Brasil e começa no dia da morte de Lampião e Maria Bonita. "A ideia é mostrar o outro lado do cangaço, as pessoas que sofreram com os desmandos políticos", contou o autor à Folha.

Na história, um bando de cangaceiros se refugia em uma fazenda, enquanto os milicianos se aproximam para liquidá-los. Segundo Benedito Ruy Barbosa, "O Cerco" pode ser adaptado como uma série ou como uma novela para o horário das 23h, recentemente ocupado pelo remake de "Gabriela".

 O dramaturgo Benedito Ruy Barbosa, que prepara uma série sobre cangaço.
Mastrangelo Reino - 25.out.10/Folhapress

Pesquei na Folha UOL

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O ATAQUE DE LAMPIÃO A MOSSORÓ

Segunda teoria acerca da invasão

Por Honório de Medeiros

Antes de começarmos a esboçar a segunda teoria acerca da invasão de Mossoró por Lampião, temos que apresentar um rápido perfil biográfico de Massilon.

Afinal, quem foi Massilon [1]?

Massilon
Ainda hoje, algum tempo depois, quilômetros rodados, ligações e entrevistas realizadas, livros, revistas e jornais pesquisados, não é o bastante. Assim como ele surgiu, desapareceu. Seu tempo de vida bandida foi curto: quatro anos. Nasceu, provavelmente, em Timbaúba dos Mocós, Pernambuco. Seus pais migraram sucessivamente para Patos e Pombal, na Paraíba, e, depois, Luis Gomes, no Rio Grande do Norte, onde faleceram.

Totalmente sem fundamento é a informação dada por Fenelon Almeida [2] de que Massilon já tinha, na época do ataque a Apodi, “29 mortes no costado”.

Quais são suas fontes para afirmar isso? Em que ele se baseou para fazer tal afirmação? Se Massilon entrou no crime em 1924, e o ataque a Apodi ocorreu em 1927, parece muito pouco crível essa história.

Massilon não gostou do Sítio Japão, em Luis Gomes, para onde o pai emigrou em 1924, e voltou para a Paraíba [3]. Provavelmente um pouco antes dessa volta assassinou um oficial da Polícia em Belém do Brejo do Cruz e mergulhou, de vez, na clandestinidade.

A seguir, seus principais episódios conhecidos:

1) 1923: deixa de ser almocreve e se associa com Manoel Forte, de Brejo do Cruz, na compra e venda de gado (fonte [4]: José Gomes Filho, o Zé Leite, irmão de Massilon).

2) 1923/1924 [5]: versão 1: assassina, em Belém do Brejo do Cruz, em dia de feira, um soldado que fora mandado pelo pretendente ricaço de uma moça que se enamorara por Massilon, para lhe tomar a arma e desmoralizá-lo (fonte: Dna. Aurora Leite de Araújo, irmã de Massilon); versão 2: mata um fiscal de feira em Belém do Brejo do Cruz, que lhe queria tomar a arma (fonte: Zé Leite, irmão, e Pedro Dantas Filho, natural de São José do Brejo do Cruz, falecido em 2002 aos 88 anos, em entrevista a Alexandro Gurgel para o jornal “A Gazeta do Oeste”, Mossoró, Rn); versão 3: mata um sargento ou cabo da Polícia de Belém de Brejo do Cruz, para a cidade enviado por seu líder político, no intuito de moralizá-la (fonte: Manoel Monteiro, filho de Chico Canuto, amigo de Massilon, em depoimento ao Autor).

3) 1923/1924: passa, após o crime, a protegido dos Saldanha (Quincas e Benedito [6]). Possivelmente residirá em Alto Santo, CE, onde Benedito Saldanha tinha uma propriedade, para fugir da perseguição policial (fonte: Dna. Tercia Leite de Oliveira, irmã de Massilon; Capitão Viana, em entrevista ao Autor, e a Denúncia oferecida pelo Promotor Público da Comarca de Souza, Paraíba, servindo “Ad-Hoc” em Brejo do Cruz, Paraíba, Dr. Emílio Pires Ferreira, em 10 de fevereiro de 1927, transcrita no Jornal “União”, da Paraíba, número 82, em 9 de abril de 1927, Sábado).

4) 4 de Fevereiro de 1926: ataca São Miguel de Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte, sob a desculpa de combater a Coluna Prestes (fonte: Zenaide Almeida da Costa [7]):
Eram quatro horas da tarde do dia 2 de fevereiro, quando João Grosso chegou correndo, esbaforido. Vinha de cima da serra, na estrada da vila, de onde avistara o mar de gente que se aproximava.
Na vila os Revoltosos abriram algumas portas de casas comerciais, tirando delas apenas os mantimentos necessários à sua alimentação naquele dia. Saíram à tarde, deixando somente o medo e alguns cavalos estropiados, trocados por cavalos sadios que, apesar de escondidos nas matas dos sítios, com os focinhos amarrados e de cabaça para cima, foram encontrados e surrupiados. Baixaram as águas, mas como sói acontecer, a epidemia chegou no dia seguinte muito cedo e sem aviso!
Um marginal, alcunhado de ‘Sargento Preto’, embriagado, desgarrado da Coluna e em companhia de indivíduos da mesma estirpe, arrombou casas comerciais, distribuindo mercadorias com pessoas que estavam regressando à vila, despejando gêneros, tecidos, miudezas e bebidas no meio da rua. Saiu de porta em porta chamando quem ainda não tinha se apresentado (por timidez ou honestidade) para receber seus ‘donativos’. Abriu o cartório e em frente ao prédio, fez uma pilha de todos os livros e documentos, despejou querosene por cima, ateou fogo. Desapareceu depois do saque. Dois dias após [8] chegou outro grupo vestido de mescla azul, com bonés do mesmo pano, dizendo-se ‘patriotas’. Novo saque em todas as casas comerciais e de residência. Tomaram armas, munições, animais, o que sobrou de víveres, provocaram brigas nas ruas.
Era o grupo de Massilon, semelhante ao de Lampião, que imperava naquelas quebradas de serra e nos sertões, armado, fardado, e segundo eles próprios afirmavam, autorizados pelo Padre Cícero Romão Batista, do Juazeiro, a combater a coluna prestes. Saíram deixando a desolação, o pânico, tudo depredado, arrasado!

5) 25 de Abril de 1926: ataca Brejo do Cruz, na Paraíba. Mata Manuel Paulino de Moraes, Dr. Augusto Resende (Juiz Municipal), fere Dr. Minervino de Almeida, o “Joca Dutra” Prefeito Municipal), e Severino Elias do Amaral (Telegrafista).

Autores intelectuais (supostamente): Deputado João Agripino de Vasconcelos Maia, residente no Sítio “Olho D’Água”, Catolé do Rocha, PB; Joaquim Saldanha (Quincas Saldanha), residente na fazenda “Amazonas”, Brejo do Cruz, PB; Odilon Benício Maia, residente na fazenda “Pedra Lisa”, Brejo do Cruz, PB; Plínio Dantas Saldanha, vulgo “Marinheiro Saldanha”, residente em Jardim de Piranhas, Caicó, Rio Grande do Norte, como mandantes [9].

Executores: Massilon Leite [10], José Pedro[11] (vulgo Coqueiro), Peitada, João Domingos, João Boquinha e João Cândido – vulgo Negro Cândido.

Fonte: Denúncia oferecida pelo Promotor Público da Comarca de Souza, Paraíba, servindo “Ad-Hoc” em Brejo do Cruz, Paraíba, Dr. Emílio Pires Ferreira, em 10 de fevereiro de 1927, transcrita no Jornal “União”, da Paraíba, número 82, em 9 de abril de 1927, sábado.

Assim foi o fato: como todos os finais-de-tarde em Brejo do Cruz, no Sertão paraibano, formou-se uma roda na frente da casa de Antônio Dutra de Almeida, no começo daquele fatídico ano de 1926. Dr. Joca Dutra (João Minervino de Almeida), Manoel Paulino Dutra de Morais, José Targino, Dr. Francisco Augusto de Resende (Juiz da Cidade) eram os presentes. As cadeiras, dispostas dia-a-dia nos mesmos lugares, eram, pelo hábito, marcadas: recebiam sempre os mesmos ocupantes.

Em certo momento José Targino e Dr. Antônio Dutra de Almeida se levantam e vão tomar água no interior da casa. Nas cadeiras nas quais eles estavam sentados, inexplicavelmente se sentam Manoel Paulino Dutra de Morais e Dr. Francisco Augusto de Resende.
Escurece.

Um atirador tomou posição a alguma distância e, de rifle, atirou nos ocupantes das duas cadeiras que lhe tinham sido previamente assinaladas.
Dr. Francisco Augusto de Resende tombou morto. Manoel Paulino Dutra de Morais, ferido, fez menção de se levantar. Os outros tinham fugido.

O atirador aproximou-se e desfechou várias peixeiradas em Manoel Paulino Dutra de Morais. Ao terminar observou atentamente o semblante do outro morto e gritou: “matei um inocente”.
Recolheu as armas, montou o cavalo, picou na espora e sumiu na escuridão da noite. Fora Massilon.          


 Ruínas do Casarão de Benício Maia, século XVII ou XVIII, 
Belém do Brejo do Cruz

O escritor Rodrigues de Carvalho conta-nos, acerca de Massilon, que:
No ano de 1927, Lampião deixou-se influenciar pelas insistentes e tentadoras sugestões de um dos seus sequazes, para uma aventura criminosa bem difícil. Um assalto a Mossoró. No grupo era ainda um novato [12], sem grande tirocínio e até bem pouco tempo inteiramente desconhecido e estranho às lides do cangaço. 
Contudo, a despeito do curto ‘estágio’ ou ‘noviciado’, esse bandido vinha portando-se como um experimentado veterano. É que antes dessa apresentação, ele já havia cometido vários assassinatos, alugando o braço homicida a outros facínoras encapuzados. Daí o seu desembaraço na prática do crime. Entre as suas primeiras vítimas como pistoleiro está o Dr. Augusto Rezende, Juiz de Direito de Brejo da Cruz, na Paraíba, morto de emboscada [13].
 

Cabra inteligente e temerariamente audacioso agia com desassombro e pleno de ambições rapinantes. Os seus planos de salteador eram ousados, com promessa de voar a grande altura. O que era também forte prenúncio de cedo encontrar quem lhe quebrasse as asas...
 

Em outro qualquer setor da atividade humana os seus predicados seriam, decerto, além de inaproveitados, reprovados com desprezo. Para o meio em que se integrava, todavia, tinha ele qualidades inapreciáveis; aquelas que o credenciavam para um refinado facínora. Orgulhava-se de ser potiguar [14], natural da Serra do Martins ou de Luiz Gomes. Chamava-se Massilon Leite, Antônio Leite ou Benevides Leite. Coisas de bandido.
Dizia-se profundo conhecedor de três ou quatro Estados do Nordeste, cujas estradas talara em todas as direções durante anos consecutivos. Gabava-se de conhecer palmo a palmo não apenas seu Estado natal, mas também a Paraíba, o Ceará e parte de Pernambuco, graças ao desempenho das suas funções de motorista de caminhão. Trabalhava no volante quando resolvera trocar de profissão. A profissão de cangaceiro lhe pareceu muito mais lucrativa, além de livre como o vento. Pensou também que fosse mais leve do que a de motorista de caminhão, porém mais tarde confessava haver se enganado redondamente. Mas era tarde [15].
Raimundo Nonato [16] lembra que Jararaca [17] dissera ter Massilon Leite informado serem suas as mortes de Brejo do Cruz, o que corrobora o relato feito acima. Sérgio Dantas [18] nos disse que Massilon foi almocreve. É verdade.

Entretanto, quando da morte do policial em Belém do Brejo do Cruz já era comprador/vendedor de gado.
É o que nos relatam seus irmãos Tercia e Zé Leite, em entrevista que o escritor gentilmente nos cedeu, bem como o Capitão Viana.

Quando chegamos à residência do Capitão Viana – Francisco Viana – em Macaíba, RN, encontramos um velhinho seco de carne e temperamento, vestido com um pijama azul claro à antiga, daqueles cujas camisas são de manga comprida, sentado em uma cadeira de balanço e lendo a Bíblia. Recebeu-nos muito bem e logo mandou servir café.

O Capitão Viana tinha, na data da entrevista, noventa e três anos muito bem vividos. Longa prole, alguns poucos bens, saúde saltando à vista, memória fantástica. Durante a entrevista em nenhum momento titubeou quanto às informações prestadas.

Ao tentarmos falar acerca de sua atuação como policial em alguns casos mais escabrosos fechou a cara e disse, abruptamente:
"Isso é segredo de polícia, não posso dizer nada". 
Foi delegado, entre outras cidades, de Apodi, Macau, Açu, Caraúbas, Nova Cruz, São Tomé, e Areia Branca. Pois bem, o Capitão Viana, quando menino lá em Alto Santo, então distrito de Limoeiro do Norte, onde nasceu em 1913, conheceu Massilon – embora de longe, só de vista, como se diz no Sertão, mas fornece vários dados importantes acerca do cangaceiro:
Massilon, depois do ataque a Apodi, nunca mais voltou lá.
 

Em 1940, quando fui Delegado de Apodi, já não se falava mais nele.

A história de João Quincó é a seguinte: João Paulo Nogueira Maia, como se assinava João Balduíno Freire 
– o João Quincó, era Delegado em Alto Santo e prendeu um amigo de Massilon – marchante como ele – chamado Pedro Rogério, mas conhecido por Pedro Cascudo. Maltratou muito Pedro Cascudo.

Massilon jurou vingança e foi lhe dar uma surra. Coqueiro terminou matando João Quincó e seu filho.
 

Massilon era jagunço de Décio Hollanda, lá de Pereiro, e foi jagunço de Benedito Saldanha. Antes de Apodi Massilon morava com Décio Hollanda, no Pereiro, Fazenda Bálsamo.
 

Ele vivia de comerciar gado, era marchante, não tem cabimento essa história de sapateiro que o cangaceiro "Bronzeado" que você falou conta. Eu sou testemunha de tudo isso por que morei em Alto Santo até os quinze anos, quando fui para São João do Jaguaribe.
Na época da invasão de Apodi eu estava em Taboleiro do Norte. De lá fui para São Paulo. Em 1934 voltei para o Rio Grande do Norte e sentei praça na polícia.
[1] Para maiores informações ler, do autor, “MASSILON (NAS VEREDAS DO CANGAÇO E OUTROS TEMAS AFINS)”; Sarau das Letras; 1ª edição; 2012; Natal.

[2] “JARARACA: O CANGACEIRO QUE VIROU SANTO”; ALMEIDA, Fenelon; Editora Guararapes; 1981; Pernambuco; Recife.

[3] Depoimento de Valdecir Pereira Leite, filho de Dona Aurora, irmã de Massilon, ao Autor, em 17 de dezembro de 2005.

[4] Entrevista gravada com Zé Leite, o filho, gentilmente cedida pelo pesquisador Sérgio Dantas.

[5] Essa morte teria sido até 1924. Sua família foi para Luis Gomes em 1924, e Massilon os visitou ainda em Pombal depois de ter feito o crime, segundo depoimento de Dna. Aurora.

[6] Benedito Saldanha foi Prefeito de Apodi, Rn, em 1933, durante 6 meses e 14 dias. Consta que teria sido morto envenenado por uma mulher com quem vivia após se separar de sua esposa, Dna. Etelvina, que também era da família Saldanha.

[7] “A VIDA EM CLAVE DE DÓ”; 2ª. Edição; Editora Sebo Vermelho; Natal, Rn.

[8] Dia 4 de fevereiro de 1926.

[9] Até onde se sabe, todos os autores intelectuais foram inocentados das acusações que lhes foram feitas.  Vale a pena mencionar que durante três anos tentei, de todas as formas, conseguir os autos do Processo-Crime de onde essas informações foram extraídas. Tentei em Brejo do Cruz e Catolé do Rocha. Nada consegui. Quase venceram a má-vontade dos servidores dos cartórios e, até mesmo, dos juízes. Cheguei até a entrar com um pedido formal para obter vistas dos autos. Foi em vão. Finalmente, em um golpe de sorte e graças à ajuda de um grande amigo, consegui a cópia do Jornal “União”, onde a Denúncia do Promotor fora transcrita. Consta que quando chegou a notícia da absolvição, o Coronel Quincas Saldanha comemorou em Caraúbas, RN, com uma grande festa. Ver “MASSILON (NAS VEREDAS DO CANGAÇO E OUTROS TEMAS AFINS)”, deste autor.

[10] Já vivendo no Ceará, em Alto Santo, sob a proteção de Benedito Saldanha, conforme Denúncia já citada e depoimento do Capitão Viana (detalhes da entrevista um pouco à frente), em entrevista ao Autor.

[11] Raul Fernandes diz que seu verdadeiro nome era José Cesário, conhecido em Caraúbas. Esteve no ataque a Mossoró. Em entrevista ao Autor, José Cosme da Silva, o “Zé de Chota”, nascido em 22 de fevereiro de 1923 na Fazenda “Floresta”, Brejo do Cruz, PB, de propriedade do Coronel Quincas Saldanha, e nela tendo vivido até os 18 anos de idade, lembrou que conheceu José Pedro e Peitada, ambos “cabras” do Coronel. Peitada, disse-me ele, morreu no Amazonas, anos depois. E José Pedro, homem de inteira confiança do Coronel, morreu em Quixadá, CE, para onde fugira sob a proteção de Quincas Saldanha, após matar um desafeto.

[12] Informação sem qualquer fundamento. Massilon somente conheceu Lampião especificamente para o ataque a Mossoró e através de Isaías Arruda.

[13] Rodrigues de Carvalho dá como fonte Severino Procópio em sua obra “MEU DEPOIMENTO”, à página 54. Quem danado foi Severino Procópio?

[14] Outra informação sem fundamento.

[15] “LAMPIÃO E A SOCIOLOGIA DO CANGAÇO”; Rio de Janeiro, RJ; Gráfica Editora do Livro Ltda.

[16] “LAMPIÃO EM MOSSORÓ”; 4a. edição; Coleção Mossoroense; Série C; Volume CDVIII; 1989.

[17] Depoimento de Jararaca ao jornal mossoroense “Correio do Povo”.

[18] “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE”; Cartgraf Editora; Natal; 2005.

Continuando a Saga de Massilon
 

6) Início de janeiro de 1927: Lampião retorna a Pernambuco; cruza Salgueiro, Leopoldina e Floresta.
 

7) 19 de Janeiro de 1927: Lampião enfrenta, no lugar “Lagoa Queimada”, o Tenente Pedro Rodrigues.
 

8) Começo de Fevereiro de 1927: Lampião enfrenta, no lugar “Umbuzeiro”, Termo de Lagoa do Monteiro, Pernambuco, os Tenentes João da Costa e Silva e Antônio Francisco.
 

9) Abril de 1927: Décio Hollanda procura o Coronel Isaías Arruda para lhe pedir ajuda no ataque a Apodi, e lhe apresenta Massilon (fonte: depoimento de Mormaço e Bronzeado).
 

10) 10 de Maio de 1927: Massilon ataca Apodi, Gavião e Itaú, no Rio Grande do Norte.
De Apodi os cangaceiros se retiraram pela manhã do mesmo dia 10, entre as nove e dez horas, rumo ao distrito de Itaú, RN.
 

Ali saquearam os estabelecimentos comerciais dos cidadãos Manuel Moreira Maia, Pedro Maia Pinheiro, João Alves Maia e as residências dos Senhores João Batista Maia e Paulino Pereira do Carmo (fontes: Raimundo Nonato da Silva, Raul Fernandes, Sérgio Dantas, Wálter Guerra, Marcos Pinto). Autores Intelectuais: Martiniano Porto, Décio Holanda, Benedito Saldanha, Quincas Saldanha, Tylon Gurgel. Executores: Massilon, Cajueiro, Cajazeiras, Calango, Lua Branca , Asa Branca, Rouxinol, Juriti, Limão, Júlio Porto , Miúdo, Gregório, João Pinheiro, Bronzeado , Luiz e Vicente Brilhante, José Coco, José Roque, José Pequeno e outros.
 

Tylon Gurgel, lider político em Pedra de Abelha, atual Felipe Guerra, e adversário do Coronel Chico Pinto, na época da invasão de Apodi por Massilon. Pedra de Abelha era distrito de Apodi.

11) Dia 12 de maio de 1927:– Lampião, que estava acampado em Porteiras, Ceará, segue viagem até a Serra do Diamante, terras do Coronel Isaías Arruda de Figueiredo.
 

12) Depois de 13 de Maio de 1927: Massilon conhece Lampião.
 

Sérgio Dantas, em obra citada:
 

Em 11 de maio de 1927 Lampião penetrou no município de Jardim, Ceará, a légua e meia da vila de Porteiras. No dia 12 de maio segue viagem até a Serra do Diamante, terras do Coronel Isaías Arruda de Figueiredo, chefe político de Aurora e Missão Velha, no Ceará. Buscava refúgio e municiar-se. É o que nos contou o cangaceiro “Mormaço” quando interrogado em Pau dos Ferros, RN; Martins, RN; Mossoró, RN; e Crato, CE.
 

Em 10 de maio de 1927 Massilon tinha atacado Apodi, Gavião e Itaú. Como a empreitada fora toda orquestrada por Isaías Arruda, a pedido de Décio Hollanda, uma vez cumprido seu desiderato toma o rumo de Aurora, Ceará, aonde chega pelo dia 13 de maio para prestar contas de sua empreitada.

 Cel. Chico Pinto, líder político e Prefeito de Apodi 
quando do ataque à cidade comandado por Massilon, 
a quem tinha sido encomendada sua morte.

Aurora, penúltima semana de maio. Há dias Lampião já retornara da fracassada incursão à Paraíba. Finalmente – após longo périplo pontilhado de inúmeros percalços – alcançara o indevassável coito da Serra do Diamante, de Isaías Arruda. Em dias subsequentes, Lampião recebeu a visita de José Cardoso, parente do Coronel. Deslocara-se o fazendeiro até o valhacouto para apresentar-lhe o cangaceiro Massilon Leite.
 

O encontro de Lampião com Massilon deu-se em dias de maio, após o assalto a Apodi. Até aí, Lampião desconhecia completamente o novel bandoleiro. O cangaceiro Mormaço, em interrogatórios consignados nos processo-crime instaurados nas Comarcas de Martins e Pau dos Ferros, ambos em 1927, deixam claro esse particular. Também, nesse sentido, depoimento prestado por Jararaca à Polícia no mesmo ano. Todos são unânimes quanto à época do encontro.
 

13) 13 DE JUNHO DE 1927: Massilon ataca Mossoró, no Rio Grande do Norte. Em 10 de junho de 1927, pelas primeiras horas da manhã, Massilon entrou no Rio Grande do Norte junto com Lampião. Dessa data até sua saída do Estado, em 14 de junho, à boca da noite, invadiu, junto com o bando, mais de vinte fazendas, quinze sítios, o Povoado Boa Esperança (hoje Município de Antônio Martins), o Povoado São Sebastião (hoje Município de Governador Dix-Sept Rosado), e o Município de Mossoró.
 

Em 12 de junho de 1927, passam ao lado de Caraúbas e Lampião é advertido : Por Caraúbas, não, Capitão. Lá se encontra o Gato Vermelho. Dizem ter sido Massilon, velho conhecido de Quincas Saldanha , o Gato Vermelho, quem deu o aviso.
 


Casa Grande da fazendo do coronel Quincas Saldanha, o Gato Vermelho.
Créditos impressos na imagem

14) JULHO DE 1927: Comete homicídio em Aurora, Ceará. Episódio relatado pelo escritor Amarílio Gonçalves em “Aurora história e Folclore”.
 

15) 11 DE AGOSTO DE 1927: Ataca cercanias de Alto Santo, Ceará.
 

16) MARÇO DE 1928: Morre Massilon em Caxias, Maranhão .

O ataque a Mossoró resultou da paixão de Massilon por Julieta, filha do coronel Rodolpho Fernandes

Pois bem, Massilon teria uma paixão por Julieta, filha do Coronel Rodolpho Fernandes. Temos, aqui, um entreato: 

Amarílio Gonçalves [1]:

Em virtude da amizade com o ‘coronel’ Isaias Arruda, na verdade um dos grandes coiteiros de Lampião no Ceará, o Rei do Cangaço, como era chamado, esteve, mais de uma vez, no município de Aurora. Em suas incursões pelo município sul-cearense, o bandoleiro se acoitava na fazenda Ipueiras, de José Cardoso, sobrinho de Isaias.

Uma dessas vezes foi nos primeiros dias de Junho de 1927. Na fazenda Ipueiras, onde já se encontrava Massilon Leite, que chefiava pequeno grupo de cangaceiros, Lampião foi incentivado a atacar a cidade norte-rio-grandense de Mossoró – um plano que o bandoleiro poria em prática no dia 13 do citado mês. Em razão do incentivo, Lampião adquiriu do ‘coronel’ um alentado lote de munição de fuzil que, de mão beijada, Isaías havia recebido do Governo Federal (Artur Bernardes), quando este promoveu farta distribuição de armas a ‘coronéis’ ‘para alimentar o combate dos batalhões patrióticos à coluna Prestes’.

Presente àquela negociação, que rendeu ao ‘coronel’ Isaías a considerável quantia de trinta e cinco contos de réis, esteve o cangaceiro Massilon, que teve valiosa influência junto a Lampião, no sentido de atacar Mossoró, cujos preparativos tiveram lugar na fazenda Ipueiras. Consta que Massilon Leite – associado a Lampião no sinistro empreendimento – tinha em mente assaltar a agência local do Banco do Brasil e seqüestrar uma filha do cel. Rodolfo Fernandes .

Alexandro Gurgel conta que Pedro Dantas Filho, natural de São José do Brejo do Cruz e morto em 2002, aos 88 anos, conheceu Massilon, que comerciava gado na cidade, e este lhe informou que o cangaceiro nutria uma paixão platônica pela filha de Rodolpho Fernandes e via no ataque a Mossoró uma oportunidade de raptar a moça.

Calazans Fernandes [2], no seu livro histórico “O Guerreiro do Yaco”, a vida romanceada do Coronel Childerico Fernandes, nos conta o seguinte:

Do Alto da Conceição, na entrada de Mossoró, Lampião avaliou o tamanho da cidade que via pela frente. Ao contar as igrejas, sua reação imediata foi segurar Massilon pelo cangote:
“Cidade de quatro torres é demais para cangaceiro atacar. Você ainda me paga”.
Vinha contabilizando os insucessos da carreira do bandido e ainda ignorava completamente que, devido a ele, Mossoró recebia sinais de alerta através de Esther Fernandes, uma das filhas de Rufino, da Maniçoba, mulher de Ezequiel Fernandes de Souza, sócio de Alfredo Fernandes e Cia., da família de Rodolfo Fernandes. Ela fazia a ponte entre o irmão Zé Rufino, de Vitória, e o prefeito de Mossoró.

Ao mesmo tempo em que Zé Rufino, então com 26 anos, conhecera Massilon, havia conhecido o jovem Virgulino, de 20. Tropeiros nos mesmos caminhos, os dois se cruzavam ao abrigo das oiticicas na travessia do rio nas cercanias de Apodi. Num desses encontros, nos tempos perversos de 1918, Zé Rufino assistiu a Virgulino surrar de chicote uma velha que roubava farinha para alimentar a penca de filhos. Desentenderam-se, trocaram advertências, mas o episódio encerrou-se aí.

Nas mesmas sombras e lazer, desde essa época Massilon e Zé Rufino encontravam-se na lide dos comboios de algodão, de peles de oiticica, dos sertões para Mossoró, de onde, dos armazéns de Alfredo Fernandes & Cia., tiravam o sal para os varejos da Tromba do Elefante, as charqueadas do Cariri no Ceará e do Gurguéia no Piauí, de rotas mais curtas do que as de antigamente para o São Francisco e as Minas Gerais, porém mais freqüentes naqueles anos de expansão da carne de sol.

Das estradas, a parceria dos dois chegou à mesa do café da manhã dos Fernandes, que Massilon associava a milhões e a mulheres perfumadas. Na casa de Esther, na intimidade da família, o cabra de olhar trigueiro deslumbrou-se no luxo do mobiliário e no jeito fortuito das moças orgulhosas nos seus vestidos de seda.
Mesmo nas suas suspeitas, Lampião só desconfiou de que a obstinação de Massilon em atacar Mossoró escondia uma paixão quando já era tarde. Pelo resto da vida, aliás, ele nunca saberia que seu cabra alimentava a intenção única de se valer do chefe e seu bando como escudos, para raptar a irmã [3] do prefeito Rodolfo:
“... que fiquem com todo o dinheiro. Eu só quero a minha Julieta”...

Como se diz no Sertão:
“é tudo “foquilore”!


Ou será verdade? Agreguemos aos depoimentos de Amarílio, Alexandro e Calazans o fato, que pode ter outra conotação, como será analisado mais adiante, de Massilon ter assumido para si a responsabilidade de atacar a casa do Coronel Rodolpho Fernandes enquanto Jararaca e seus parceiros distraia os defensores pela frente.

Por qual razão houve o ataque à residência do Intendente e, não, ao comércio? Por qual razão Massilon comandou o ataque? Por qual razão os cangaceiros, comandados por Jararaca, antes de se posicionarem para o ataque à residência do Intendente invadiram a residência de Joaquim Perdigão, seu genro, mas não atacaram seu vizinho?



[1] “Aurora História e Folclore”; TAVARES, Amarílio Gonçalves; 2ª. Edição; Ceará.

[2] “O Guerreiro do Yaco”; Fundação José Augusto; 2002; Natal, RN.

[3] Aqui o autor equivocou-se: é a filha do Coronel.
Continua...

Tá tudo no Blog do Confrade Honório

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Novidade em HQ

Lampião : Episódios da vida de um cangaceiro

A CEL Editora de Recife lançou Lampião - Episódios da Vida de um Cangaceiro, primeira HQ de uma série de três que contarão episódios baseados em fatos reais da vida de Virgulino Ferreira da Silva, o cangaceiro mais famoso do Brasil.

A publicação, de Antonio Lima, Paulo José e Wilde Portela, foi lançada oficialmente no ultimo dia 8 de setembro.

Assunto: Ficção e Contos Brasileiros

Coordenação editorial: Luciana Araújo

Diretor de Arte de Fotografia: Roberto Portela

Roteiro e Texto: Wilde Portela

Desenhos: Antônio Lima e Paulo José

Desenhos de Capa: Antônio Lima

Colorização: Ivan Rodrigues


Valor com frete: R$25,00.
Contato para aquisição:
(81) 3037 5762 ou celeditora@hotmail.com


Fontes: AQCSP mais um taquim no HQManiacs e finalmente no Facebook da CEL editora

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Cruzaram as peixeiras

O encontro de Vulcano e Lampião

Quando Vulcano esteve aqui
Trazia o cetro de Agamenão
Julgando-o sua obra prima
Quis agradar a Lampião

Esse recusou ligeiro
Vós me cê não sabe não?
Coisa fina tem aqui
Nas tendas do meu sertão

E disse logo em seguida
Intimando a divindade
Não é só tão mais bonito
Como de muito mais qualidade

Pra reinar nessas paragens
Não se usa mais de cetro
O punhal é que define
Entre o errado e o certo

Buscando se recompor
Das investidas do capitão
Retrucou o deus horrendo
Em tom de provocação

Não fosse o meu esforço
Na boca de um vulcão
Teriam seus ferrageiros
O metal pra produção?

Lhe digo ainda mais
Não trabalho só o ferro
Ao bronze a prata e ao ouro
Dedico maior esmero

Dando ao deus ouvidos moucos
O cangaceiro Lampião
Explicou a divindade
O porquê de sua opção

Pois fique o deus sabendo
Só me serve o que é de agrado
Dez cetros desse não compram
Uma só faca lá de Pasmado

Cabo de prata incrustado
Seja com ouro ou marfim
Ponta de espada alemã
É o quanto basta pra mim



Suplantado em seu oficio
Pelo povo do sertão
Suplicou o deus disforme
Por um pouco de instrução

Com um sorriso no rosto
Virgulino foi sincero
Se queres ser o melhor
É com João Jorge do Pau Ferro

Ao tomar as suas aulas
Com o mestre do sertão
Viu como era engenhoso
O processo de produção

Terminada sua tarefa
Foi ter com o capitão
Lhe dizendo cabisbaixo
Em tom de decepção

Eu vi o que eles fazem
Tentei, não é fácil não
Aceite como presente
Esta simples imitação

Agradeceu ainda ao cangaceiro
Por aquela oportunidade
De ter tido contato
Com jóias de verdade

Lampião ficou perplexo
com a lembrança oferecida
Mas dela não tomou posse
Dizendo já de saída

A divindade é dedicada
E se rendeu a humildade
Peça como esta que fez
É coisa de majestade.

Tome este punhal de volta
Um produto original
E ofereça a Agamenão
Como seu cetro real.

Deixando a nossa terra
Pleno de satisfação
Retornou o deus corcunda
Pro frescor de seu vulcão

Texto e arte de Ernane R. C. Cunha
Especialmente para o Lampião Aceso.

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Quem gota serena era Vulcano? 

Vulcano (Hefesto na mitologia grega) era o deus romano do fogo, filho de Júpiter e de Juno ou ainda, segundo alguns mitólogos, somente de Juno com o auxílio do Vento.

Foi lançado aos mares devido à vergonha de sua mãe pela sua disformidade, foi, porém, recolhido por Tetis e Eurínome, filhas do Oceanus. Noutras versões, a sua fealdade era tal mesmo recém-nascido, que Júpiter o teria lançado do Monte olimpo abaixo. A esse facto de deveria a sua deformidade, pois Vulcano era roxo.

Sua figura era representada como um ferreiro. Era ele quem forjava os raios, atributo de Júpiter. Este deus, o mais feio de todos, era o marido de Vênus ( a Afrodite grega), a deusa da beleza e do amor, que, aliás, lhe era tremendamente infiel.

No entanto, Vulcano forjou armas especiais para Eneias, filho de Vénus de Anquises de Tróia e para Aquiles quando este havia emprestado para Pátroclo,que por sua vez a perdeu para Heitor.

Em certa altura, Vulcano preparou uma rede com que armadilhou a cama onde Vénus e Marte mantinham uma relação adúltera. Deste modo o deus ferreiro conseguiu demonstrar a infidelidade da sua esposa, que no entanto foi perdoada por Júpiter.

In Wikipedia .

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Pra quem perdeu

Entrevista com o pesquisador Frederico Pernambucano de Mello no Programa "Provocações" TV Cultura.

Apresentação de Antonio Abujamra.

  

Bloco 2




sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Mais 50 contos pela cabeça de Lampião

Quando uma conceituada perfumaria carioca ofereceu muito dinheiro pelo fim do "Rei do Cangaço

Por Rostand Medeiros

Um oferecimento para corajosos

Quem lê e se debruça sobre o tema cangaço, certamente já teve oportunidade de visualizar um famoso anúncio onde o governo do estado da Bahia oferecia 50 contos de réis pela captura de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, também conhecido como “O Rei do Cangaço”.

Mas aquele anúncio de captura não foi o único. Em 1932 houve outro, que oferecia o mesmo valor, cuja iniciativa partiu de uma perfumaria que tinha sede na carioquíssima Praça Tiradentes, em pleno centro do Rio de Janeiro, então Capital Federal.


 Muito dinheiro.

Creio que quem primeiro comentou sobre este interessante fato foi o pesquisador e escritor baiano Oleone Coelho Fontes, no seu livro “Lampião na Bahia”. Nas páginas 198 a 207 (4ª edição) desta interessante obra, o autor lista inúmeros casos de pessoas, alguns destes antigos militares, que através de jornais cariocas informavam que estavam a disposição de seguirem para o longínquo sertão, na intenção de capturar, ou matar, o mais temido bandido brasileiro. Percebemos que estas pessoas procuravam muito mais a promoção midiática, do que tentar realmente resolver o caso Lampião.

Entre outras iniciativas de captura apontadas por Oleone, se encontrava uma feita por uma empresa, a Perfumaria Lopes. Esta conceituada casa comercial, inaugurada no início da década de 1920, informava através de um anúncio publicado na imprensa carioca (reproduzido no jornal soteropolitano “A Tarde”, edição de 12 de junho de 1931), que oferecia 50 contos de réis pela captura do famoso cangaceiro.

A empresa anunciava que o prêmio poderia ser conquistado por qualquer pessoa, civil ou militar, desde que provasse ter alcançado seu êxito através da apresentação de documentação autenticada por autoridade competente (Ver Fontes, O. C. Pág. 207, nota nº 272).

O jornal em que a nota foi publicada em Natal, RN.

Aparentemente a Perfumaria Lopes gostou da iniciativa, pois no ano seguinte, na mesma época, renovava a publicação do anúncio de 50 contos pela captura do “Rei do Cangaço”. Consegui encontrar este anúncio na edição de 13 de junho de 1932, do jornal natalense “A Republica”.

Mas enfim, isso era a sério? Ou seria apenas uma ação de marketing?

No meu entendimento, toda esta movimentação era puramente uma ação de propaganda. Não sei o que o operoso proprietário da empresa pensava sobre Lampião e suas ações, mas morando no distante Rio de Janeiro, certamente ele deve ter percebido que dificilmente alguém da sua região ganharia a premiação.

Mas se aparecesse um cidadão queimado do sol nordestino, trazendo a cabeça de Lampião em uma lata de querosene da marca “Jacaré”, em meio a uma grande quantidade de cal virgem para não apodrecer tão rápido, certamente o proprietário desta conceituada casa lhe pagaria, pois dinheiro não lhe faltava.

 Fonte - Revista Careta, número 935, 22 de maio de 1926.

A perfumaria Lopes pertencia ao Comendador José Gomes Lopes, que também era proprietário da Fábrica de Cosméticos Beija-Flor, era um imigrante português que enriqueceu no Rio de Janeiro. A sede principal da Perfumaria Lopes S. A. se situava na Praça Tiradentes, em um grande ponto comercial que ia do número 34 ao 38 e ainda possuía uma filial na Rua Uruguaiana, igualmente no Rio de Janeiro.

Mas havia sucursais por todo o Brasil e seu produtos tinham refino e qualidade.

Nas memórias de José Bento Faria Ferraz, que foi secretário particular do escritor Mário de Andrade por 11 anos, lembra que um dos mais importantes intelectuais da cultura brasileira era um homem “muito refinado”, mas tinha sérios apertos financeiros. “Apesar de sua pobreza”, como dizia José Bento, o escritor sempre solicitava que o colaborador fosse a Perfumaria Lopes, situada à Rua José Bonifácio, para comprar uma loção “para passar na careca”.

O Comendador Lopes tinha uma visão muito positiva em relação à propaganda. Vamos encontrar a sua casa comercial como o primeiro anunciante da famosa Rádio Nacional, transmitidas em ondas médias, enquanto o tradicional “Leite de Colônia” patrocinava em ondas curtas. A perfumaria foi também um dos patrocinadores do igualmente famoso “Repórter Esso”.

 Fonte - paniscumovum.blogspot.com

Não encontrei mais nenhuma informação sobre esta iniciativa e o destino dos 50 contos de réis. Não tenho certeza, mas tudo indica que o sargento Bezerra, o homem que comandou os policiais que exterminaram Lampião em 1938, não foi ao Rio solicitar o prêmio.

Mas a simples existência deste tipo de anúncio em jornais de grande circulação da Capital Federal mostra o quanto a figura de Lampião era conhecido nacionalmente. Mas foi também esta fama, principalmente após a divulgação do famoso filme do libanês Benjamim Abrahão, que indubitavelmente chamou a atenção das autoridades federais do período do Estado Novo.

Os poderosos do Rio passaram a cobrar uma ação mais efetiva das autoridades estaduais nordestinas e para concretizar a derrocada deste cangaceiro. E assim foi feito.

O já conhecido anúncio de recompensa por Lampião, 
pretensamente oferecido pelo governo baiano.
In  www.anovademocracia.com.br

Em Natal, a Perfumaria Lopes era representada pela firma César Comércio e Representações Ltda. Empresa criada pelo empresário Júlio César de Andrade em 07 de Março de 1932, com sede na travessa México, 85, no tradicional bairro da Ribeira.

Pescado no sempre essencial Tok de História

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Foi Silvino...

O Rei do cangaço antes de Lampião

Por Paulo Goethe

No dia 16 de janeiro de 1907, o Diário registrou que os cangaceiros estavam preocupando as autoridades. Aterrorizando os sertões estava o bando de Antonio Silvino. Forças policiais da Paraíba e do Rio Grande do Norte foram mobilizadas para perseguir o grupo.  O capitão Carlos Formel informou, através de carta, que estava no encalço dos cangaceiros. Durante todo o mês, o jornal divulgou notícias sobre a atuação das volantes. Ao longo das décadas seguintes, o combate ao cangaço seria um tema comum no cardápio de assuntos oferecidos ao leitor.



No primeiro registro do ano, o Diário sinalizava que um dos companheiros de Antonio Silvino havia sido preso no interior de Pernambuco. “Perseguido pela força volante, apresentou-se, há poucos dias, ao delegado de Bom Jardim, o celebre cangaceiro Barra Nova. Durante o tempo em que fez parte do grupo desse facínora, tornou-se celebre pelas suas perversidades. Em São Vicente, na ocasião de um ataque do grupo, foi Barra Nova quem atirou no sargento José Pedro, subdelegado local. Actualmente ele está recolhido á cadeia de Bom Jardim, devendo ser em breve transportado para a casa de detenção”.


Antes de Lampião, ele era o cangaceiro mais famoso e seu apelido mais conhecido foi “Rifle de Ouro”. Nascido no dia 2 de dezembro de 1875, em Afogados da Ingazeira, Manoel Batista de Morais entrou para a história como Antonio Silvino. Durante 16 anos, driblou a polícia, praticou saques e assassinou inimigos, mas era tratado pelos poetas populares como um “herói” por respeitar as famílias.

Ainda jovem, integrou o bando liderado por seu tio, Silvino Aires Cavalcanti de Albuquerque. Com a prisão deste em Custódia, assume o comando e muda o nome e sobrenome, homenageando o parente.

Antônio Silvino entrou para o cangaço aos 21 anos de idade, com o irmão, Zeferino, depois da morte do pai, Batistão do Pajeú, em plena feira de Afogados da Ingazeira, em dia 3 de janeiro de 1897. Procurado pela polícia, Batistão ousou entrar na cidade no dia mais movimentado da semana e foi alvejado por um tiro de bacamarte disparado por Desidério Ramos, desafeto e contratado pelo coronel Luís Antônio Chaves Campos, chefe político local.

Silvino e o irmão juraram vingar a morte do pai, assaltando e matando todos os que colaboraram com o mandante do crime. “Para o sertanejo não havia Justiça. Se um parente era morto, de imediato lhe sobrevinha o ‘direito’ de pôr termo à vida do assassino. Por vezes, essa vingança implicava em cruzar um punhal à cintura, portar rifle e munição, usar um chapéu de couro de aba batida. A cada crime não punido pelas instituições policiais e judiciárias, em regra, lançava-se a semente de um futuro bandoleiro profissional”, narra Sérgio Augusto de Souza Dantas em Antonio Silvino: o cangaceiro, o homem, o mito, uma das mais completas biografias sobre o “Rifle de Ouro”.

Mesmo tendo participado de um ataque à usina Filonila, em 1899, no qual resultou na morte de uma menina de 13 anos, filha do coronel Antônio dos Santos Dias, a fama de Antonio Silvino apenas cresceu como “bandido cavalheiro”. Em 1903, o Jornal Pequeno, do Recife, publica a sua foto. No ano seguinte, Francisco das Chagas Batista lança o cordel A canção de Antônio Silvino, que teve grande vendagem.


A invencibilidade de Silvino terminou no dia 28 de novembro de 1914, quando ocorreu o seu último tiroteio com a polícia. Atingido no pulmão direito, conseguiu se refugiar na casa de um amigo e disse que ia se entregar. Da cadeia de Taquaritinga seguiu, dentro de uma rede, até a estação ferroviária de Caruaru, onde um trem especial da Great Western o levou para o Recife. Uma multidão o aguardava na Casa de Detenção, atual Casa da Cultura.

Antonio Silvino tornou-se o detento número 1.122, condenado a 239 anos e oito meses de prisão. Em 4 de fevereiro de 1937, depois de vinte e três anos, dois meses e 18 dias de reclusão, foi indultado pelo presidente Getúlio Vargas.

Na foto acima, ele é o de chapéu e bengala. O ex-rei do cangaço morreu em 30 de julho de 1944, em Campina Grande, na casa de uma prima.


Paulo Goethe, 44 anos, no Diário de Pernambuco de 1990 a 1997 e desde 2001.

Pesquei no: Diário de Pernambuco / Blogs

terça-feira, 16 de outubro de 2012

O ATAQUE DE LAMPIÃO À MOSSORÓ

Primeira teoria acerca da invasão

Por Honório de Medeiros

TEORIA: O ataque a Mossoró resultou da ganância do Coronel Isaías Arruda e Lampião, no que foram secundados por Massilon. Esta é a versão, digamos assim, “oficial”, encontrada em quase todos os textos acerca do cangaço. Em Raul Fernandes, por exemplo, em seu clássico “A MARCHA DE LAMPIÃO” (2ª edição; Editora Universitária – UFRN; 1981; Natal), lê-se:
A notória fama de riqueza de Mossoró aguçava a cobiça dos bandidos. A falta de força policial os estimulava. Criminosos e aventureiros se movimentavam. Das ribeiras do Moxotó, do Navio e do Pajeú afluentes da grande bacia do rio São Francisco, e dos arredores das vilas de Nazaré e Flores, na hinterlândia de Pernambuco, Lampião formou o bando.

 (...)

Os mais esclarecidos entraram na empreitada desejosos de fugir com o produto dos roubos para o Sul do País, ou qualquer lugar onde pudessem viver impunes.
 

Essa teoria não se sustenta. Não foi assim que aconteceu, muito embora seja inegável que a ganância foi um dos combustíveis que acionou todos os envolvidos. O que se quer dizer é que o primeiro passo do projeto da invasão, a “causa causarum”, não pode ser atribuída a Lampião, tampouco ao Coronel Isaías Arruda.

E é fácil inferir essa conclusão, meramente interpretando os textos “canônicos” acerca do tema.

Sérgio Dantas, por exemplo, em outro clássico da literatura do cangaço, “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE” (1ª edição; Cartgraf – Gráfica Editora; 2005; Natal), ao ressaltar a resistência do Rei do Cangaço ao assédio do Coronel Isaías Arruda, para realizar a empreitada do ataque a Mossoró, cita uma fonte inquestionável:
O cangaceiro Jararaca, testemunha da conversa (entre Isaías e o cangaceiro) lembrou com fidelidade, dias mais tarde, a resistência de Lampião ao assédio ferino do Coronel Arruda:

“Lampião nunca tencionara penetrar nesse Estado porque não tinha aqui nenhum inimigo e se por acaso, para evitar qualquer encontro com forças de outros Estados, tivesse que passar por qualquer ponto do Rio Grande do Norte, o faria sem roubar ou ofender qualquer pessoa, desde que não o perseguissem”.


Um pouco mais adiante o mesmo escritor, nas notas ao Capítulo do qual se extraiu o texto acima transcrito, lembra outro depoimento:
Uma segunda referência encontra-se em Lucena (1989, p. 99), onde o cangaceiro Manoel Francisco de Lucena Sobrinho, o “Ferrugem”, também em entrevista, afirma textualmente: “Lampião não queria atacar Mossoró, alegando que não conhecia o Rio Grande do Norte”.
Esses depoimentos são suficientes para inutilizar a teoria da qual Raul Fernandes foi um dos mais importantes porta-voz. Não é verdade que em decorrência da riqueza de Mossoró Lampião tenha formado um bando para a atacar. Teria sido então o ataque a Mossoró uma ideia nascida no cérebro do Coronel Isaías Arruda?


Coronel Isaías Arruda

Sérgio Dantas crê que sim. Em sua obra já citada, na parte denominada “O PARTO DE UM PLANO MACABRO”, encontramos o seguinte:
Arruda tinha interesse em Mossoró, cidade rica, centro comercial de incontestável notoriedade no cenário sertanejo. De forma inicialmente sutil começou a sondar o cangaceiro. Lembrava-lhe a todo instante o êxito obtido por Massilon em dias passados.

(...)
Arruda mostrava-se indiferente aos argumentos do zanaga (Lampião). Mantinha-se particularmente interessado na pilhagem de Mossoró. A cidade potiguar – reafirmava o Coronel – tinha fama de prosperidade.

Mas é muito pouco provável que tenha sido do Coronel Isaías Arruda a concepção da idéia do ataque a Mossoró. Assim como não foi dele a concepção da idéia do ataque a Apodi, realizado dias antes, sob o comando de Massilon, com um propósito eminentemente político, como há de se ver mais adiante.

Que o Coronel Isaías Arruda foi o maior responsável por induzir Lampião a atacar Mossoró, quanto a isso não há dúvidas. Sem esse assédio, não teria havido o ataque. Com a mentalidade rapace da qual era possuidor Isaías Arruda, quando lhe propuseram essa idéia, percebeu de imediato que sua concretização lhe permitiria ganhar algo de qualquer forma: planejar a empreitada, convencer Lampião, fornecer armas e munição, nada tinha ele a perder se pusesse mãos à obra e o atraísse para esse projeto.

Se tudo desse certo, raciocinou o Coronel, ganharia sua parte - uma verdadeira fortuna [1], levando-se em consideração o valor do exigido, dias após, por Lampião ao Coronel Rodolpho Fernandes, para que houvesse a invasão da cidade -, como acontecera antes, quando Massilon voltara com o dinheiro arrancado de Apodi.

Se nada desse certo obteria um lucro especial vendendo, ao cangaceiro, como de fato vendeu, as armas necessárias ao ataque; além do mais, se por obra e graça das circunstâncias, Lampião morresse no Rio Grande do Norte, ele, o Coronel, ver-se-ia livre das pressões que estava sofrendo, oriundas de Fortaleza, do Governo do Estado, e, até mesmo, do Governo Federal, por suas ligações com o líder cangaceiro, e que o levaram, segundo alguns historiadores, a trai-lo, tentando envenená-lo e queima-lo vivo, ou, segundo outros, a encenar essas duas tentativas de comum acordo com o Rei do Cangaço.

Entretanto a ideia de atacar Mossoró não nasceu no Coronel Isaías Arruda.

Isso por vários motivos, dois deles bastantes simples: em primeiro lugar, ele não chamou Lampião ao Cariri, como já sabemos, e sem Lampião, não haveria condições para realizar o ataque a Mossoró; em segundo lugar por que se a questão fosse meramente financeira, outras cidades, mais próximas e bem menos perigosas, no Ceará, na Paraíba, ou mesmo no Rio Grande do Norte, poderiam ser invadidas e render um grande lucro, sem a possibilidade de fracasso que uma cidade do porte e da distância [2] de Mossoró representava.


Capela de São Vicente, Mossoró, final dos anos 20, começo dos anos 30.
Por Francisco Soares de Lima.

É em Sérgio Dantas, no “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE [3]”, que encontramos subsídio para essa conclusão:
O cangaceiro “Mormaço”, em diferentes interrogatórios prestados à Polícia (Martins, Pau dos Ferros, Mossoró e Crato), deixou claro que Lampião desejava chegar ao Ceará para refugiar-se e municiar o bando. Também acrescentou, em diversas oportunidades, que Arruda intermediava, invariavelmente, tais compras de munição.
 Por outro lado, Mossoró não teria entrado no campo das elucubrações criminosas do Coronel Isaías Arruda, se não tivesse acontecido o seguinte fato, esse muito significativo, também relatado por Sérgio Dantas [4]:
Em dias de abril daquele ano [5], o sinistro caudilho [6] recebera importante solicitação. Décio Holanda [7] – destacado fazendeiro do município de Pereiro, no Ceará – pediu-lhe que colocasse a “cabroeira” particular a seu serviço, posto que planejava tomar de assalto a cidade de Apodi, no Estado vizinho.
 (...)
Viajou [8] até Serra do Diamante, em Aurora, e foi ter com Arruda. Descreveu-lhe o imbróglio. Através do confrade – mestre na intriga política – empresariou o bandoleiro Antônio Leite, o Massilon.

O plano sinistro, em um primeiro momento, previa a conquista de Apodi. Sugeria, em seguida, o aprisionamento de Francisco Pinto e principais agregados políticos do intendente. Por fim, prescrevia extorsões, roubos, incêndios, homicídios.

Ainda:

Aurora, Ceará. Há dois dias Massilon já retornara ao esconderijo. Ao mentor Isaías Arruda, prestou contas do assalto. O apurado foi dividido meio a meio, como anteriormente combinado entre cangaceiro e Coronel (O CEARÁ, 1928).

Antônio Leite estava eufórico. Descrevia detalhada e reiteradamente a sucessão de assaltos. Gabava-se do feito heróico:

- Disseram que eu não sabia brigar, e eu volto com quarenta contos de réis!

Casa do Coronel Isaías Arruda em Missão Velha, Ceará. 
Nela há um subterrâneo onde o Coronel estocava armas.

Ou seja, em assim sendo, Mossoró foi conseqüência de Apodi e de uma circunstância inesperada: a chegada de Lampião em Aurora, no Ceará, terras do Coronel Isaías Arruda. Apodi, por sua vez, foi consequência das brigas entre coronéis norte-rio-grandenses e paraibanos disputando o poder [9].

E a idéia do ataque a Mossoró, da qual resultou o planejamento de Isaías Arruda e a execução de Lampião, com certeza não foi de nenhum dos dois, mas, sim, proposta de Massilon, à qual aderiu de pronto, pelas razões elencadas acima, o Coronel, e, com extrema relutância, o maior dos cangaceiros.

Portanto tudo leva a crer que Massilon, ou alguém ou alguns que ele representava, idealizou, Isaías planejou, e Lampião executou.

A pergunta que se faz agora, é se a idéia de Massilon atacar Mossoró foi algo estritamente seu ou de alguém ou alguns mais, do qual ou dos quais ele seria mero marionete.
[1] Cinquenta por cento do butim.

[2] Perto de quinhentos quilômetros, de Aurora a Mossoró, área praticamente descampada, sem a proteção natural como serrotes, mata fechada ou pedreiras, ante um cerco militar, sem as quais o cangaceiro não passava.

[3] Cartgraf Gráfica Editora; 2005; 1ª edição; Natal, RN.

[4] “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE”; Cartgraf Gráfica Editora; 2005; 1ª edição; Natal, RN.

[5] 1927.

[6] Isaías Arruda.

[7] Décio Sebastião de Albuquerque Holanda era seu nome completo. “Genro de Tilon Gurgel do Amaral, casado que foi com sua filha Francisca Brito Gurgel (Chicuta). Décio morou vários anos no RN, transferindo-se depois para o Ceará” (“NAS GARRAS DE LAMPIÃO”; GURGEL, Antônio; BRITO, Raimundo Soares de; Coleção Mossoroense; Série “C”; v. 1.513; 2ª edição; Mossoró).

[8] Décio Holanda.

[9] Mais adiante será esmiuçada essa afirmação.

Continua...

Pesquei ali ó, no Blog do Confrade Honório

sábado, 13 de outubro de 2012

Companheiros inseparáveis

Faca, facão e punhal: Poder e vaidade no Cangaço

Por William White
(Com a exceção da primeira, as demais fotos ficaram por conta e risco do Lampião Aceso).

Um projeto da envergadura e abrangência deste catálogo sobre Facas Brasileiras precisa tratar, mesmo que em rápidas palavras, de um movimento  típico do Nordeste brasileiro que fez uso permanente e intensivo de diversos tipos de armas brancas: o cangaço. Cangaço  era o agrupamento de indivíduos em bandos de variados tamanhos, desde 3 ou 4 a mais de uma centena, em geral jovens oriundos da zona rural  que se juntavam para cometer crimes diversos, sempre motivados por três objetivos: vingar-se de alguém, proteger-se de alguma vingança ou simplesmente ter uma “profissão” rendosa.


Não se sabe exatamente com quem, onde ou quando esse tipo de atividade teve início. Entretanto, se a localizarmos nos Estados de Pernambuco e Bahia nas primeiras décadas do século 19 e, mais precisamente, de 1850  em diante, certamente estaremos muito próximos da realidade. Importante para os objetivos desta publicação é saber que seu apogeu ocorreu nas décadas de 1920 e 1930 do século XX,  período que coincidiu com o domínio absoluto do mais terrível  dos chefes cangaceiros: Virgulino Ferreira da Silva que, sob o vulgo de Lampião, aterrorizou sete estados do Nordeste brasileiro.


Lampião nasceu a 4 de junho de 1898 no Sítio Passagem das Pedras, município de Vila Bela, atual Serra Talhada, no Estado de Pernambuco. Desde muito cedo mostrou-se dono de inteligência anormalmente desenvolvida para os padrões da classe social a que pertencia.  Era almocreve por profissão, além de hábil produtor de arreios e roupas de couro, sanfoneiro, vaqueiro de primeira ordem, amansador de burros e sabia ler e escrever regularmente. Por motivos ainda hoje controversos, tornou-se cangaceiro com cerca de 16 anos juntamente com seus irmãos Antônio, Livino e, posteriormente, Ezequiel.

Os irmãos Ferreira acabaram por unir forças com Sinhô Pereira, chefe do até então principal grupo de cangaço em atividade na área e que, ao abandonar a vida de bandoleiro por volta de junho de 1922, deixa seu bando sob o comando de Lampião que à época contava apenas 24 anos. Foi agraciado com a falsa patente de Capitão em 1926 por pressão de personalidades do Juazeiro do Norte (CE), entre eles o Deputado Federal Floro Bartolomeu e o próprio Padre Cícero Romão Batista com a intenção de que combatesse a Coluna Prestes, de passagem pela região.  Morreu na Grota de Angico, município de Porto da Folha (SE), atualmente pertencente ao município de Poço Redondo, em 28 de julho de 1938, aos 40 anos de idade e após 22 anos de atividade cangaceira ininterrupta.

Os bandos do cangaço lampiônico, se assim podemos chamar o período áureo desta atividade, eram prioritariamente compostos por jovens oriundos de algum latifúndio pertencente a um coronel-de-barranco, tremenda força política de então nas caatingas, onde exerciam a função de vaqueiros ou simples moradores e parceiros. Assim sendo, e por força das próprias atividades que desempenhavam, estes indivíduos desde a mais tenra idade se familiarizavam com o sangue de animais que abatiam e com as lâminas com que desempenhavam esta função. Era tudo muito mecânico, normal e rotineiro. A intimidade que tinham com facas e a indiferença pelo sangue e a morte eram fatores importantes quando entravam para um bando cangaceiro.

Além deste aspecto, os jovens delinqüentes eram vistos com extrema admiração pelas moças de vilas e fazendas, pois que andavam sempre vestidos à sua maneira vistosa característica, endinheirados e exalavam poder já que muito raramente encontravam resistência em suas andanças e ataques. Parece inclusive ter ocorrido uma certa reordenação na hierarquia do poder sertanejo, já que de certa forma  o coronel latifundiário também foi cerceado em seu mandonismo absoluto pelo rifle insolente do cangaceiro, de maneira que a arma substituía a posse da terra na estrutura social da caatinga. O cangaço usava do sequestro a dinheiro, do fogo em pastos, casas e currais, da matança indiscriminada de rebanhos e de uma série de outras ameaças largamente cumpridas para obter recursos e manifestar seu efetivo poder não apenas em relação ao coronel, mas à população sertaneja em geral.

Alguns autores têm se ocupado em pesquisar a estética do cangaço apesar da escassa fonte de informações existente. Muita divergência surge desses trabalhos, mas há unanimidade quando se referem à vaidade do cangaceiro. E por muitos aspectos. A citada intimidade do homem em geral e do cangaceiro em particular com as armas brancas é histórica, ficando até a dúvida de que se seria mesmo o cão o melhor amigo do homem do cangaço. A estética de sua indumentária lembra algo de mouro trazido pelos portugueses durante o período colonial e particularizada ao sertão.

A marca registrada dessa composição, não há dúvida, é o grande chapéu de couro com a aba rebatida na frente e atrás, fortemente adornado com medalhas de santos, moedas de prata e ouro, signos de Salomão e outros penduricalhos. Apesar de haver um padrão relativamente bem definido de suas vestimentas e adornos, cada indivíduo do grupo tinha o direito, e o exercia com capricho, de manifestar sua vaidade como melhor entendesse. Isso ia do tipo de meia que usavam  à aplicação de enfeites nas alças dos mosquetões e fuzis, ao número e tipo de anéis que adornavam suas mãos, muitas vezes um em cada dedo - sendo alguns destes premiados com dois -, o comprimento dos cabelos e o trato de brilhantina e perfume que recebiam, os óculos de grau ou de sol,  a luneta e uma infinidade de outros quesitos com particular atenção dedicada às facas, facões e punhais.

Lambedeiras de Elétrico e Quinta-Feira. Abaixo: "Estoque" de Catingueira e Pajeuzeira de Avelino, 1909 Coleção de Frederico Pernambucano de Mello. 
Foto de Valentina Fildini. In Estrelas de Couro - A estética do Cangaço, pág 135.

Quanto à importância de cada lâmina carregada pelo cangaceiro pode ser dito que o facão era utilizado nas tarefas mais duras como o corte de galhos de árvores para montagem de suas barracas, o esquartejamento de bovinos e outros. No geral não chamavam muito a atenção com a honrosa exceção de um que Lampião portava e possuía cabo de prata lavrada com muito esmero e apresentando em sua porção final uma cabeça de águia esculpida. Mas por serem de feitio comum e carregados por poucos elementos do cangaço, eram praticamente escondidos sob a axila de seu proprietário,  de forma que permaneciam muito pouco visíveis. Ressalte-se aqui que mesmo feiosos e sem grande prestígio, tais facões acabaram, por ironia do destino, participando do ato final da epopéia cangaceira ao serem utilizados para decapitar os onze cangaceiros mortos na grota sergipana naquela garoenta madrugada do inverno de 1938. Dois anos antes, a 7 de junho de 1936, o cangaceiro José Baiano, violento chefe de um subgrupo, foi morto à traição juntamente com outros 3 companheiros e teve sua cabeça “separada do pescoço por sucessivos golpes de facão”,  conforme atesta a Certidão de Exumação emitida pela Secretaria de Segurança Pública de Sergipe.
Rasparam minha cabeça
Como quem raspa um leitão
Botaram água fervendo
Caía pêlo no chão
Eu berrava como um bode
Minha barba e meu bigode
Raparam com um facão    

Em vez da noiva enxerguei
De cartucheira na mão
Um grupo de cangaceiros
E o bandido Lampião
Pensei que estava sonhando
Quando acordei fui levando
Uma surra de facão¹
(...)

Facão curto de Lampião: Gavião guarnecido por cachorro, 1938.
Coleção privada. In Estrelas de Couro - A estética do cangaço pág. 134.
Frederico Pernambucano de Melo.

A faca talvez tenha sido a lâmina de maior utilidade pois servia a muitos fins,  como matar, esfolar e retalhar pequenas criações, castrar animais e, vez por outra, homens, cortar couro e tecidos para a produção de arreios e roupas, retirar balas alojadas em seus corpos, descascar frutas, cortar queijo e o que mais fosse necessário. Estas facas apresentavam características muito diversas umas das outras e algumas eram verdadeiras obras de arte muitíssimo trabalhadas. Apresentavam lâminas de cerca de 20 a 30 cm com cabos caprichosamente executados por alguns cuteleiros que se tornaram famosos, casos da família Caroca na Paraíba e da família Pereira no Cariri cearense.


Eram cabos compostos por pequenos discos de materiais diversos como chifre bovino, caprino ou ovino, madeira, prata, cobre, níquel, alpaca, marfim, osso e eventualmente até ouro. No entanto, o uso deste metal estava longe de ser a regra. Comumente, para o uso cotidiano, as facas eram lâminas simples e com cabo de madeira ordinária, especialmente com o advento da industrialização por volta de 1930, fato que colaborou bastante para a extinção da cutelaria artística como era até então conhecida. Era mais importante que seu aço pegasse bom fio do que tivesse alto senso estético.  Estas também pouco apareciam na indumentária do cangaço. Quase sempre estavam guardadas no cós da calça, nas costas, ou na mesma posição do facão, ou seja, sob as axilas.

Porque na ponta da faca
Uma barriga não erro
E um ladrão que me rouba
Até o cabo eu enterro
Pule o que for mais valente
Para eu corrê-lo no ferro²

Dei uma volta na rua
Encontrei um camarada
Com uma faca de ponta
Feita de aço de espada
No momento que eu cheguei
Sem desejar encontrei
Um princípio de zoada³
(...)

Finalmente, e com notável destaque, havia o punhal. Utilizado apenas como arma perfurante, posto não possuir fio em nenhum dos lados, mas apenas a ponta extremamente aguçada própria para sangrar animais em geral, inclusive homens, como atestam inúmeros registros de diversos autores. Tratamento especial e diferenciado sempre foi dedicado aos punhais, estes sim, motivo de orgulho e vaidade de seus proprietários.

Eram sempre carregados de forma ostensiva, transversalmente ao abdome que lhes servia de perfeita moldura, e sustentados pelo cinturão de balas.


A vaidade de cada um se manifestava neles de diversas maneiras: pelo material com que era produzida sua lâmina, a composição de sua empunhadura e sua bainha, o cuteleiro que o confeccionou, seu comprimento e a habilidade que cada um possuía ao manejá-lo. Material para as lâminas era quase sempre importado: espadas quebradas, ferramentas agrícolas e especialmente pedaços de trilhos de ferrovias  e do sistema de vagonetes utilizados na indústria açucareira. A forja e montagem desses punhais eram feitas em locais denominados tendas, que nada mais eram que rústicas cutelarias bastante disseminadas pelo Nordeste, em especial nos Estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Ceará, onde a movimentação de cangaceiros era intensa.

Sobre esta imagem o colecionador e especialista em cutelaria Dênis Artur Carvalho faz a seguinte observação: O cangaceiro Atividade está portando três armas brancas: Uma faca de ponta com cabo de embuá na cintura, um facão de cortar mato abaixo do braço e uma faca paulista à altura do peito. Eu nunca tinha visto nenhuma fotografia de cangaceiro portando uma faca típica da região de São Paulo. Preferiam a boa faca de ponta nordestina ou as famosas lâminas europeias principalmente alemãs. Abaixo, uma peça idêntica, de minha coleção:



Faca de ponta com empunhadura "Embuá" também da nossa coleção:

A estética e características gerais de forma, tipo de cabo, comprimento de lâmina e material e modelo da bainha era função da criatividade do cuteleiro e dos recursos de quem encomendava o produto. De maneira geral,  o punhal tinha forma bastante esguia, longa e fina, arrematado pela empunhadura de estilo muito semelhante ao utilizado pelas facas artesanais acima descritas. Mesmos materiais, mesmas formas. As bainhas também eram caprichosamente elaboradas, quase sempre por terceiros, podendo ser de couro ou metal. Quando metálicas, por vezes eram forradas de couro ou veludo e podiam possuir uma ou duas articulações, ao logo de seu comprimento, como delicadas dobradiças, de forma a facilitar o andar e o montar de quem as usasse.

Prestando mais atenção
Eu vi um grande punhal
Fabricado com três quinas
De um tamanho desigual
O cabo de ouro e prata
Nunca se viu então igual⁴
(...)
   
Conduzia o seu punhal
Passado na cartucheira
Com setenta e três centímetros
Respeito da cabroeira
Moedas de prata e ouro
Lhe enfeitavam a bandoleira
(...)
No cangaço parece não ter havido uma relação direta entre o tipo de punhal e faca utilizados e a hierarquia interna do grupo.  Tudo era exatamente uma questão de gosto, vaidade e dinheiro. Embora nem fosse de uso mais freqüente, os punhais longos exerciam especial fascínio entre os cangaceiros, sendo curioso reproduzir aqui parte do “Inventário dos objetos apreendidos, pertencentes ao famigerado “Lampeão”, produzido pelo Regimento Policial Militar de Maceió, em 26 de novembro de 1938:

FACA: de folha de aço, com 67 cm de dimensão, com cabo e terço de níquel, adornado o cabo com três anéis de ouro, notando-se na lâmina, uma mossa produzida naturalmente por bala; bainha toda de níquel,    com forro interno de couro, notando-se também na parte interna superior o estrago produzido por bala.


Sabe-se pela literatura a respeito do tema que aos 67 cm de lâmina são acrescidos 15 cm de cabo, perfazendo um comprimento total de 82 cm. Qual a utilidade prática de tamanho exagero? Talvez nenhuma, exceto manifestar o que vem sendo escarafunchado aqui: poder e vaidade.


Muito embora este relato se refira aos despojos particulares de Lampião, outros membros do bando também possuíam punhais igualmente longos, o que é visível na famosa “foto das cabeças” e que viria reforçar a tese da inexistência de vínculo entre o comprimento dos punhais e a posição hierárquica do indivíduo no grupo. 


E Luís Pedro, rico e garboso...


...Findou caboclo

Para sangrar um homem ao estilo do cangaço, ou seja, fazendo o punhal penetrar pela fossa clavicular esquerda para atingir coração e pulmão não era necessário esse exagero de comprimento, coisa de 70 cm.

O tamanho de punhal mais disseminado entre os cangaceiros era de aproximadamente 35 a 40 cm, incluída a empunhadura. Claro está que o fato de a arma ser de menor porte em nada atrapalhava a expressão da vaidade em sua confecção. Era carregada com o mesmo orgulho e tinha o mesmo poder especialmente frente a adversários civis.


"O rifle de ouro" também tinha sua lâmina.
Coleção privada.


Vale ressaltar que muito provavelmente existia um aspecto psicológico, mórbido e doentio quando se considera o significado que o sangramento tinha, e tem, para o homem rústico do sertão nordestino. Ao usar sua arma esteticamente  mais expressiva para esse fim, o indivíduo manifestava, a um só tempo, sua vaidade em relação ao punhal,  e também um importante poder sobre a vítima, não apenas porque esta sempre se encontrava subjugada pelo grupo mas também porque sangrar era, e é, ato de extrema ofensa para quem o sofria,   extensiva a toda a família da vítima. Ou seja, para o sertanejo, o drama não estava em morrer,  mas sim em ser sangrado. Ofensa inadmissível, passível de vingança necessária e obrigatória e muitas vezes origem das famosas brigas de família. Sangrar era para porco, cabrito, boi – não para o homem.

Finalmente, é importante mencionar um vínculo havido entre a morte de Lampião, decretando o início do fim do cangaço, o poder e a vaidade que aqui se explicou. Após mais de vinte anos de atividade em circunstâncias quase sempre muito adversas, “morando debaixo do chapéu”, como certa vez disse o Rei do Cangaço, parece que a atividade já não exercia nele o mesmo fascínio de outros tempos. Sua mobilidade era bastante menor e sua área de ação estava mais ou menos restrita ao baixo rio São Francisco, ora em Alagoas, ora em Sergipe onde, até por influência das mulheres do bando, passaram a tomar muito mais cuidado com a higiene pessoal, fato demonstrado pela adoção de novos costumes tais como banhos frequentes, lavagem de roupas e um acesso mais rotineiro a melhores alimentos mandados buscar em feiras através de seus coiteiros.

Esses fatos, acrescidos à onipresente sensação de impunidade, à extorsão praticada à larga contra as elites urbana e rural apenas via bilhetes, à confiança exacerbada em sua rede de coiteiros, à  cada vez maior delegação de autonomia aos chefes de subgrupos, à enorme quantia de dinheiro em espécie e ouro que acumulara e portava e à venalidade dócil e obediente dos militares responsáveis por sua captura parecem ter provocado o afloramento simultâneo de sua sensação de poder e vaidade pelo que já obtivera e não mais perderia. Lampião certamente tinha ciência de que sua morte não era conveniente a muitos caatingueiros que, de uma forma ou outra, dele dependiam para sobreviver ou auferir maiores ganhos.



Inclua-se aí desde grandes latifundiários e militares até o mais simples morador que fazia e vendia queijos. Lampião sempre pagou regiamente pelos produtos que adquiria, fossem alpercatas, rapaduras ou mosquetões e sua munição.

Certa vez perguntaram ao Cel. José Lucena de Albuquerque Maranhão, foto ao lado, que quando sargento havia sido responsável pela morte do pai de Lampião:
- Cel. Lucena, quem matou mesmo Lampião?
- O dinheiro dele!
- Nem só, Coronel, nem só!

¹ Macedo, Nertan. Lampião-Capitão Virgulino Ferreira. Rio de Janeiro: Editora Renes,1975. pp. 84-85.
² D’Almeida, Manoel, Os Cabras de Lampião – São Paulo, Ed. Prelúdio Ltda. 1970, pág 19
³ Macedo, Nertan, obra citada, pág.82
Macedo, Nertan, obra citada, pág. 57 - D’Almeida, Manoel, obra citada, pág.9

Disponível em: Coleção Orsini

Créditos para o amigo Ernane Cunha.