terça-feira, 11 de setembro de 2012

Cangaço é...

Poesia

Por Gustavo Sandres

74 anos se passaram, desde o fatídico dia que findou o cangaço. Chega a ser irônico que um personagem de má índole seja o que mais povoa o limbo da poesia. Nada Tiradentes, D. Pedro, Zumbi, muito menos Cabral ou Antônio Conselheiro, Lampião, esse é o nome inspirador, que teve na poesia sua mais forte agência de publicidade, teve sua história contada pelo fantasioso mundo do sertanejo, muitas vezes tendo seus feitos exageradamente narrados, assim como sua valentia ou sua perversidade.


Desenho de José Rosa Filho

“Eu me chamo Lampião
mas é só de brincadeira,
acabe com essa besteira,
deixe de vadiação.
quem alumia é o tiro
que eu dou na escuridão,
mato andorinha voando,
quanto mais um gavião,
mato sargento e tenente,
coronel e capitão,
cabra frouxo de sua marca
mato até de bofetão.”

(Nertan Macêdo, Cancioneiro de Lampião, 1959).

Agora focando no tema do blog, que é a poesia, vamos enquadrar a ligação Cangaço com Poesia. Virgolino era um bom repentista, sabia fazer versos de improviso, nos momentos de descanso, em meio as festas nas cidadezinhas do nordeste ou no Raso da Catarina, que era um de seus esconderijos preferidos, entre uma dose de uísque Cavalo Branco e um pouco de xaxado, Lampião utilizava-se da poesia como ferramenta para narrar seus feitos, ironizar as volantes(força policial) e exaltar os que lutavam com ele. Aprendeu cedo a recitar, hábito comum naquela época no interior do estado, era fácil encontrar principalmente nas feiras homens recitando de improviso.  Quando alcançou a fama e seu nome alastrou-se pelos quatro cantos do Brasil, chegando a ser manchete no The New York Times, os cordelistas encontraram ali um personagem perfeito, um novo Heitor, para compor a Ilíada nordestina, mais sangrenta que a grega e com a fantasiosa visão de que se tratava de uma revolução entre oprimidos pobres x opressores ricos.

Detalhes nos cordéis da época eram curiosos, na capa de xilogravura, muitas vezes fazia-se referência a “imortalidade” do feroz cangaceiro, os poemas narravam as vitórias de Lampião sobre muitos Coronéis, dizendo que era graças à fé do nosso descomprometido Hobbin Hood, que ele vencia inúmeros batalhões, o dinheiro dos coronéis e a agressividade do próprio sertão.

“Corpo fechado” falava-se de Virgolino,  os mais fantasiosos contavam que ele se misturava com a caatinga, seus cabelos eram tão espinhosos quanto o facheiro,  seu corpo tão duro quanto o solo rochoso do sertão, um herói nascido da injustiça, tendo dentre suas fotos mais conhecidas uma que posa de joelhos com o bando, num momento de oração. Seu respeito pelo Padre Cícero é contado com ênfase, a fé aproximando o cangaceiro meticuloso, das pessoas comuns, dos simples agricultores, que também sofriam injustiças, só que nada podiam fazer.

Rodrigues Lessa : Lampião e Maria Bonita

“Sou  devoto e penitente
do padre Ciço Romão.
Creio na fé dos antigos
Que promete a redenção.
Os meu pés são mais velozes
Que as aves de arribação.”

(Francisco Carvalho, Um capitão chamado Virgolino, 1980)



Havia quem não simpatizasse nenhum pouco com o Capitão Virgolino, mas enquanto ele estava vivo nada era dito, sob o risco de uma retaliação fatal,  até que na noite de 27 ou 28 de julho de 1838, não tenho certeza agora, no meio da madrugada o acampamento é alvejado, Lampião morre, sua cabeça é decepada.  Ai nasce o mito do cangaceiro. Enfrenta o diabo no inferno, arromba as porteiras do paraíso, dá tapas na besta-fera, em São Pedro, no Cão Coxo e em qualquer um que cruze seu caminho, tudo isso graças a poesia, seus inimigos em terra finalmente criam coragem para fazer poemas a seu respeito insultando-o, ironizando e desmoralizando, mas não adianta mais, já surgiu o Heitor  sertanejo, com direito a um amor Helênico e tudo mais.

Na opinião do blogueiro sem juízo, Lampião foi menos que um herói e mais que um bandido,  Virgolino é um ser poético, e tudo que entra na poesia fica pra sempre encravado na cultura do povo. Ascenso Ferreira, Carlos Pena Filho, Murilo Mendes, são alguns dos poetas mais “refinados’ que citaram o cangaceiro em sua obra, outras centenas de desconhecidos também o fizeram. A globalização atingiu o sertão, mas não há nada que minimize o valor da figura do cangaceiro.


By Rogério Fernandes

“É Lamp, É Lamp, É Lamp,
É Virgolino Lampião!

Batizou-se esse cabra,
No interior do sertão,
O rifle foi o padre,
O punhal o sacristão.

É Lamp, É Lamp, É Lamp,
É Virgolino Lampião!”

(Jayme Griz, Rio Una, 1951)




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