terça-feira, 21 de agosto de 2012

O padre Bulhões

Durante anos a sua casa foi um orfanato

Por: Luiz Nogueira Barros



Impossível esquecê-lo. Era árido como o sertão em tempos de seca. Mas tal o mandacaru, resistente planta dos sertões, tinha água e sabia doá-la para os necessitados e perdidos naquelas plagas longínquas, nas horas cruciantes. Sua casa era um porto seguro para os desamparados da sorte. E o seu olhar, por vezes severo, escondia a complacência própria dos homens de grande santidade.

Muitas vezes era visto no sítio do fundo da sua casa ao lado do Camoxinga como um homem comum a mexer com a terra, calejando as mãos, sonhando flores e frutos. Ou então na sua batina surrada, subindo a ladeira, apressado, na direção da Matriz de Senhora Santana, onde as obrigações religiosas completavam a sua modesta existência.

Abusado? Era-o, de fato. E quando precisava dar alguma lição de moral para algum herege suas palavras terminavam sempre assim:
- Compreendeu...compreendeu...compreendeu, seu safado?
Se compreendido, a sua complacência de pastor de almas mostrava, de súbito, o lado bom do seu coração. Seu passo seguinte era o de recuperar o herege.

Durante anos a sua casa (Em Santana do Ipanema, AL) foi um orfanato onde meninos e meninas desvalidas se fizeram moças e homens.

Até mesmo, um dia, recebeu um bilhete de "Corisco", lugar-tenente do temido cangaceiro Lampião, que lhe enviava um filho recém-nascido, que não podia crescer naquela vida do cangaço. 


Falava-se, à boca miúda, que "Lampião" e "Corisco" tinham uma devoção com Senhora Santana, além de respeitarem o seu pároco. E que por isso jamais entrariam nos domínios da santa. 

O pequeno Silvio

Dr Silvio Hermano Bulhões. In Maltanet

E o menino se fez homem à sombra daqueles domínios sagrados.

Mas padre Bulhões tinha um grande amigo, o "Seu" Edmundo, o chefe do Leilão da Santa. Fabricante de "gengibirre", um delicioso suco de gengibre, "Seu" Edmundo o vendia em garrafas de louça com rolhas fortemente amarradas por barbantes.Tanto que, retirados os barbantes ouvia-se um estampido semelhante aos das garrafas de champanhe e logo depois o suco borbulhante descia como cascata pela boca da garrafa enlouquecendo o apetite dos meninos.

"Seu" Edmundo, assessor de muitas viagens do padre Bulhões pelos distritos, num velho "jipe", tinha as mesmas afobações do seu inseparável amigo. E um dia, numa viagem para Cacimbinhas, os dois se esqueceram de acertar a hora dos seus relógios. Como tinham compromissos diferentes marcaram o retorno para as três da tarde. Deu quatro horas e "Seu" Edmundo não chegava. Afobado, padre Bulhões decidiu-se por voltar.Ao chegar, pela hora do seu relógio, "Seu" Edmundo não acreditou no recado que recebera. Também afobado, decidiu-se por voltar a pés. Lá na frente, arrependido, o velho pároco voltou. Avistou "Seu" Edmundo e foi ríspido:
-Suba aí! Você se atrasou!
E ouviu:
-Eu não! Seu relógio é que está errado! Prefiro ir andando, pois para isso Deus me deu os pés.
Daí por diante os dois, um no “jipe” e outro andando, foram vencendo os quilômetros com ásperas
discussões. E ao final da tarde chegaram aos domínios de Senhora Santana. Antes
de entrar em sua casa "Seu" Edmundo ainda ouviu do seu amigo:
- Eita homenzinho teimoso e endiabrado.
E respondeu-lhe:
- Vai-te embora Satanás, que preciso descansar. Depois a gente resolve essa questão.

Publicado no jornal Gazeta de Alagoas, 14 de fevereiro de 1993
Açude: Blog do autor

Créditos do achado: Ivanildo Silveira

2 comentários:

Unknown disse...

Primeiro artugo que leio sobre o Pe. Bulhões na internet. Trata-se de uma perfonagem que não deve ser esquecida na história do cangaço. Parabéns ao autor.

Unknown disse...

Alguém tem que poderia escrever a biografia do Padre Bulhoes.