terça-feira, 21 de setembro de 2010

Lampião...

... Além da versão  

O querido confrade, pesquisador e escritor Alcino Alves Costa é autor de um dos mais polêmicos títulos sobre Lampião, especificamente em Sergipe e o seu final neste Estado. 
  
Não são poucos os pesquisadores que comungam com esta tese. Os bravos Nazarenos por exemplo, nunca acreditaram que ele tivesse sido morto em estado de "Lucidez". 
  
Que morreu no dia e local que a história oficial posteriza, mas não foi vitimado pelo chumbo, mas sim por outra substancia. 
  
As circunstâncias em que o Rei do cangaço foi emboscado ou se deixou emboscar no fatídico 28 de Julho de 1938 não fazem e talvez nunca farão sentido para muita gente. 

O livro Lampião além da versão, mentiras e mistérios de Angico teve suas três edições "esgotadas". Seu principal capítulo é bem resumido no artigo que o próprio autor nos enviou e agora compartilhamos com vocês. 

Concordem, discordem, compartilhem conosco suas opiniões através de seus comentários. 
  
Mentiras e Mistérios de Angico 
Por: Alcino Alves Costa

Não imaginava teimar tanto com “As mentiras e os mistérios de Angico”.

Mas, dominado por uma poderosa obsessão, aqui estou, espicaçando muitos de nossos historiadores e pesquisadores, especialmente aqueles tidos e havidos como os mais profundos conhecedores da história cangaceira e em particular a de Virgulino Ferreira – Lampião. O meu maior desejo é ter o prazer de conhecer as opiniões, contra ou a favor, postadas por todos os nossos queridos companheiros, cada um declarando com sinceridade o seu ponto de vista sobre as mentiras e os mistérios de Angico, ou mesmo de sua verdade.

A minha vontade e o meu interesse é fazer com que os vaqueiros da história do cangaço coloquem o seu pensamento em relação a este apaixonante tema. Não me conformo que se deixe perpetuar na saga do grande e genial homem do Riacho São Domingos, tantos labirintos não identificados e aceitos pelos pesquisadores. É por esta razão que aqui estou fazendo chegar aos escravos da vontade de Lampião justamente aquilo de mais estranho e misterioso que possa ter acontecido em Angico.

Sinceramente, ficarei muito feliz e agradecido se os nossos queridos companheiros de caminhadas pelas veredas e bibocas dos cafundós do sertão, bravos rastejadores da jornada heróica de Virgulino Ferreira da Silva, se dignassem em opinar sobre as possíveis mentiras e mistérios de Angico.

Cada um dos comentários registrados no blog me encherá de prazer e felicidade. É este o meu desejo. Discutir e, todos nós, juntos, tentar colocar algumas pedrinhas que faltam no tabuleiro da história.

Meus companheiros e amigos, antes de tentar destrinchar o meu pensamento sobre as mentiras e os mistérios de Angico, eu lhes peço, por favor, tenha em mãos o livro “Assim morreu Lampião”, do correto, sincero e o mais profundo conhecedor da história do cangaço, Antonio Amaury Correia de Araújo. Analise com cuidado, paciência e imparcialidade os depoimentos neste livro existente e registre o seu pensamento sobre o assunto.

Não levarei em consideração o depoimento de Zé Sereno quando ele afirma que a bebida tinha veneno, mesmo tendo Balão em seu testemunho dito que ouvira Zé Sereno dizer que o cinzano, apenas o cinzano, estava envenenado. Como se sabe esta afirmativa do companheiro de Sila caiu num descrédito total. Por qual motivo? Para não contrariar o desejo e a vontade dos vencedores, aqueles que registram a história conforme suas conveniências? Não sei.

Balão ainda diz que matou um soldado quando este batia na cabeça do cangaceiro Mergulhão. A história conta que morreu apenas o soldado Adrião, mas ele estava ao lado de Bezerra e Antônio Jacó quando foi atingido pelas balas do cangaceiro Elétrico. Quem mente. Balão ou a própria história?
Uma outra distorção da verdade dos fatos é aquela versão que apareceu dizendo que Pedro de Cândido seguiu da Forquilha até o riacho do Angico amarrado ao corpo de um soldado.

É impossível que alguém acredite que Maria Bonita gritou para Luiz Pedro:

- Cumpadi Luiz Pedro, cumpadi Luiz Pedro, ocê num dissi qui quando Lampião morresse ocê morria tamém?

Estas palavras de Maria Bonita estão na página 49 do “Assim morreu Lampião”. E os dois tiros e sua morte quando ia apanhar água no poço aconteceram ou não? A Grota de Angico devia chamar-se a Grota da Mentira.

Mentiras, mentiras e mais mentiras – e elas são intocáveis.

Vamos nos aprofundar sobre os depoimentos estranhos e desencontrados de Abdom, Panta de Godoy, e um trecho do de Balão.

1 – Na página 110, do “Assim morreu Lampião” Abdom diz:
 “O cangaceiro veio i começô a panhá água no cantil quase qui im cima di ondi nóis tava ajoeiado i aí eu atirei”.
 
Continua:
 “Daí nóis avancemo i caimo im cima du meio di ondi tava Lampião i nóis recuemo pra trais um pouco di Lampião”.
“Quando nóis recuemo um pouco nóis si intrincheiremo i mandamo bala nos cangaceiros i o pau quebrô”. 


2 – Agora trechos do depoimento de Panta de Godoy, contidos na página 89 do “Assim morreu Lampião”.
 “Quando nóis tava subindo i chegando nessas pedra, topemos com um cabra qui tava apanhando água a uma déis braças, mais o menos, di distância”.
 “Nóis corremo pra dentro, corremo dentro i quando chegamo na frenti um pouquinho topei cum Maria Bonita, que vinha buscar água, com uma bacia de queijo do reino na mão”.


E Panta prossegue:
 “Aí quando avistei cum ela, ela deu meia volta, correu i disse: - Valha-me Nossa Sinhora”!
 “Aí eu atirei nas costas dela i ela caiu”.
 “No qui ela caiu ela feiz corcunda e levantou-si i ia saindo i Antonho Ferro gritô: - Cumpadi, sigura a bandida qui ela vai-si imbora”!
 “Eu dei otro tiro, na barriga dela, assim por ditrais, ela caiu i morreu”.


E Maria Bonita ainda teve tempo e se lembrou de chamar por Luís Pedro avisando-o que Lampião estava morto? Você acredita nesta aberração?

3 – Em seu depoimento, à página 111, do “Assim morreu Lampião”, Balão diz:
 “...Durmimo um pedaço de tempo quando Lampião falô: Zé Sereno. Chama todu mundo aí qui nóis vamu rezá u ofício de Nossa Sinhora”.
 “O pessoá si levantô si ajoeiô i adispois qui eli acabô di rezá tornô a si deitá”.

E ninguém escutou os tiros, quase naquele mesmo instante?

Os nossos companheiros e especiais amigos Aderbal Nogueira e Severo Barbosa tem em DVD um depoimento de Panta de Godoy ele dizendo que do poço onde Amoroso estava enchendo o cantil até a barraca de Lampião tem mais de 50 metros de distância. Esta distância entre o poço e a barraca eu precisava conhecê-la.

Foi o que fiz. Convidei Vicente Rodrigues do Nascimento, aquele rapaz que levou a máquina para Maria Bonita costurar a roupa do sobrinho de Lampião, ainda vivo, e que era neto de dona Guilermina, a mãe de Durval e Pedro de Cândido. Com ele caminhei do poço até a barraca, a distância entre um ponto e outro é de quase 100 metros.

Não desconheço que existem afirmações atestando que a distância não passava de 20 metros. É uma lástima que assim digam, não é verdade. Eu abomino mentiras e jamais iria afirmar algo que não fosse real e verdadeiro.

Eu sei, porém não me envergonho e não escondo de minha nenhuma formação escolar, no entanto, mesmo assim, procuro ser consciente naquilo que faço. Assim agindo, não posso deixar de reconhecer que nestes três célebres testemunhos estão documentadas verdadeiras aberrações. Aberrações que me surpreende. Uma delas é saber que pessoas cultas, de uma capacidade e competência muito além da normalidade, acreditam nestes depoimentos que agridem a inteligência humana, e os defende com todo vigor de seu sentimento e de seu espírito.

É inacreditável que estes historiadores e pesquisadores, homens da mais alta responsabilidade, teimarem em desprezar e até mesmo escarnecer quando se fala das mentiras e mistérios de Angico.

Ora, meus companheiros, quem em sã consciência poderá acreditar que após o tiro que Abdom deu em Amoroso, Panta de Godoy dar dois tiros em Maria Bonita e ninguém, nem Lampião, nem os outros cangaceiros e nem os cachorros, ouviram nada?
Como é que se entende Maria Bonita ir descendo o riacho à procura do poço para também apanhar água, acontecer o disparo no cangaceiro, e ela continuar descendo o riacho, caminhando tranquila, sem escutar o estampido?

Ainda mais. Balão diz que antes do primeiro tiro, Lampião e os cangaceiros estavam rezando o Ofício de Nossa Senhora e logo após foram novamente se deitar. Aconteceram três tiros; Maria Bonita gritava chamando por Nossa Senhora; Abdom e seus companheiros avançaram e chegaram tão próximo de onde estava Lampião que tiveram que recuar com tempo suficiente para se entrincheirarem e então atirarem em Lampião.

Você acredita nesta versão? Eu não.

Qual a pessoa inteligente e imparcial que acredita nestas anomalias que circundam a Grota de Angico? Sinceramente, não posso acreditar que ninguém neste mundo aceite uma distorção histórica de tamanha monta.

É por estas e outras fortíssimas razões que este velho Caipira de Poço Redondo, teima com convicção total e absoluta que a Grota de Angico é envolta em mentiras e mistérios. Meus amigos, eu posso garantir, se os depoimentos de Abdom, Panta e Balão forem verdadeiros, a morte de Lampião é tão misteriosa que a nossa pobre mente jamais conseguirá decifrá-la. Mas, por favor, não vamos perpetuar tantas e tantas mentiras e contradições.


A todos vocês o meu muito obrigado pela deferência.

Abraços!!!

Alcino Alves Costa
O Caipira de Poço Redondo >
alcino.alvess@gmail.com 

4 comentários:

Narciso disse...

Caríssimo Alcino,o conhecí em duas oportunidades,uma foi em sua casa em Poço Redondo-SE com o amigo Kiko a outra agora no Cariri Cangaço e todos nós sabemos da sua grande personalidade de sertanejo fiel e preocupado com a verdade.Principalmente no tocante a Angico. Como curioso e apaixonado pela temática cangaço a cada dia aprendo um pouco com estudiosos do seu quiláte;na minha opinião é difícil entrevistar essas pessoas trinta, cinquenta anos depois e não encontrar desvios haja vista o tempo e a idade. Para as volantes era era motivo de orgulho contar vantagens,para os cangaceiros não seria difernte,então sempre existirá dúvidas. Quanto as colocações todos exageram,como é o caso de Volta Seca pois em várias entrevistas que deu era muito parrão(os companheiros de Sergipe e Bahia sabem ao que me refiro).Sobre envenenamento é complicado afimar pois ninguém iria administrar veneno a cangaceiro em doses homeopáticas,em 36 cangaceiros escaparam-se 25 e não se tem notícia de ter sido encontrado nenhum cangaceiro perambulando pelas caatingas sob possível efeito de veneno. Alguns entregaram-se espontâneamente,outros tomaram rumo ignorado.Há muitas contradições e não pára por ai o que podemos fazer e chegar ao máximo da realidade,isso daria uma ótima discussão no próximo cariri cangaço. Grande abraço...Narciso.

Julio Cesar disse...

Meu grande amigo Alcino
Queria ter mais autoridade e conhecimento sobre o cangaço para poder compartilhar desse seu conhecimento.
Quando visitei a famosa Grota, fiquei imaginando essa cena e, sinceramente, nos primeiros clarões da manhã, qualquer ruido poderia ser ouvido naquele lugar.
Também me intrigou o fato de Lampião, de acordo com os relatos, estar tão tranquilo naquele fatídico dia.
Enfim, estou contigo até prova em contrário.
Grande abraço meu querido amigo

Julio

Juliana Ischiara disse...

Falar sobre cangaço, ou sobre Lampião, não é uma tarefa das mais fáceis. Além da complexidade do fenômeno por si só, ainda estaremos falando das diversas facetas política, econômica, social, histórica e cultura da qual o cangaço fez parte como um micro poder, frente o macro poder do Estado.
Para alguns, o assunto está esgotado, para outros ainda há muito a ser dito e ou esclarecido. O fato é que, um fato histórico por menor que seja sua magnitude, jamais se esgotará. Cada pesquisador percorre vieses diferentes, mesmo sendo o objeto de pesquisa comum a todos. Daí a diversidade historiográfica, alguns discordam de datas, outros de lugares, outros de nomes e origens dos personagens e assim por diante. Isso tudo é muito salutar para o mundo das pesquisas e principalmente para o universo dos pesquisadores.
Quantos fatos históricos tidos como reais, contados de formas irrefutáveis pelos mais sérios pesquisadores foram, ao longo do tempo e da história, reescritos? Milhares, quando fenômenos sociais da magnitude do cangaço acontecem, estes fenômenos são contados sobre várias óticas, as dos vencidos, as dos vencedores, as testemunhas oculares, as auditivas que ouviram de seus parentes, amigos ou conhecidos. É comum encontrarmos na história personagens que não participaram nem da metade do que a ele foi atribuída, devendo-se ao fanatismo de uns em valorar as ações do ídolo ou ícone ou no caso contrário daqueles que preferem endiabrar ainda mais a personalidade daquele que se fez aparecer.
O fato é que em se tratando de cangaço e em especial de Lampião, e por tabela, o episódio Angico, ainda há muito a se saber. Claro, é possível que jamais nos aproximemos da verdade real, como é possível que ela seja tão óbvia que preferimos o inacreditável e isso por vários motivos. Por não querer ir contra o senso comum, por ter medo de ser ridicularizado, por achar que não se sabe ou não se entende o suficiente, por acreditar realmente no que está posto. Porém, em se tratando do universo das pesquisas, se faz necessário entender que alguns pensam diferente e possam defender seus pontos de vistas. Tais pesquisadores são tão sérios e comprometidos com a verdade quanto aqueles que escolhemos como sendo os papas da verdade absoluta. Uma pesquisa investigativa pode levar anos, até séculos, por isso não podemos descartar as teorias diversas das defendidas por nós. Seria uma ignorância tamanha e sem procedência.
Em se tratando de Lampião, por que os depoimentos são tão controversos? Porque só aceitar como verdadeiro o depoimento de uns em detrimento de outros? Quem garante que um é real e outro não? Bem, o fato é que, pegando o artigo em comento, quem em sã consciência acredita que Lampião acordou cedo, pediu para todos rezarem um terço como de costume e logo depois voltaram a dormir? Penso que o pesquisador que acreditar que parte dos cangaceiros estavam dormindo em plena 5:30 da manhã, não conhece a realidade dos homens e mulheres nordestinos que acordam muito cedo, por dormirem muito cedo. Porque será que em quase vinte anos de cangaço, tais cangaceiros jamais haviam se descuidado de pequenos detalhes e exatamente neste dia até capitão Virgulino se descuidou? Porque será que os primeiros tiros não foram ouvidos? O que sei é que são muitos porquês, sei também que muitos deles jamais serão respondidos.
Sobre o artigo em questão, concordo e ratifico tudo que foi escrito por mestre Alcino Costa, ou uma pesquisadora que prefere analisar o que está posto até o momento, como possibilidades do que realmente pode ter sido, jamais como tendo sido o que de fato aconteceu. Penso que ainda estamos longe de esgotar os mistérios, mentiras e verdades que envolvem ou envolveram o cangaço.

Saudações cangaceiras
Juliana Ischiara

Anônimo disse...

A polêmica da morte de Lampião de forma não esperada, em 28/07/38, parece o tema preferido dessa comunidade que estuda o assunto se divertindo. Digo que o acontecimento foi de forma inesperada, porque tanto na época do fato, quanto nos dias atuais, os que viveram no tempo do cangaceiro e os que hoje estudam sua história, nunca imaginaram Lampião pego como um rato numa ratoeira. Eu mesmo gostaria de escrever outro fim para essa epopéia.
O texto do nosso “rastejador” principal da história de Lampião, Alcino, deve bater o recorde de comentários aqui no blog Cariri Cangaço. Com toda razão.
Responder cada pergunta que Alcino nos apresenta, não vai encerrar essa discussão e nem poderia. Se chegássemos a uma definição clara de como e porque aquilo aconteceu. O que iríamos debater em seguida? Alcino não quer esclarecer, Alcino quer questionar. Com sua perspicácia o grande “rastejador” coloca para os “rapazes” do seu bando várias provocações e fica feliz em ver os seus seguidores debaterem com entusiasmo o assunto.
Esse Alcino com sua sabedoria, simpatia e humildade é o grande animador dessa comunidade.
O Homem de Poço Redondo, poderia promover a reconstituição da madrugada de 28/07/38. Seria um programão assistir esse espetáculo elucidativo lá na beira do Velho Chico.

C Eduardo Gomes.