quarta-feira, 31 de março de 2010

Anjo Roque e Zé Baiano

Dois valentes cangaceiros

(*) Por Ângelo Osmiro Barreto

O ano é l935, o sertão nordestino mais uma vez, é assolado por uma terrível seca. No interior baiano os cangaceiros chegam a um lugar chamado Curaçá, ao encontrarem uma fazenda fazem pouso para aliviar a fome e a sede do grupo.

Comem, bebem e parecendo incansáveis começam uma dança embaixo de alguns juazeiros que ficavam na frente da casa grande e alpendrada da fazenda sertaneja.

No alpendre amplo da casa havia três potes cheios de água. Para evitar a poeira que vinha do baile improvisado, Lampião tratou de mandar cobrir as bocas dos potes com panos, tendo o cuidado de dizer para atar-lhes a boca para não voar, mas todas as vezes que algum cangaceiro vinha beber água não fechava como havia encontrado, fato este que irritou muito Lampião, que aos gritos começou a reclamar daquela atitude dos cangaceiros, inclusive de Ângelo Roque, o Labareda que estava deitado perto dos potes com sua mulher, a cangaceira Mariquinha, que a tudo ouvia.
- E esse peste?! O que tá fazendo aí, que não vê isso. Falou Lampião asperamente.
Labareda nada respondeu. Pouco tempo depois se levantou e sem ninguém esperar quebrou os três potes com o coice de seu mosquetão, e voltou a deitar com sua mulher como se nada tivesse acontecido.

Após alguns instantes chega o cangaceiro Zé Baiano para beber água, e fica surpreso com os potes quebrados e pergunta quem foi. Ângelo Roque responde:
-Fui eu. Por que?
Zé Baiano nada disse, simplesmente se retirou e foi à procura do chefe para contar o acontecido.
Lampião se dirigiu ao local, onde Labareda já o esperava de pé.
Lampião zangado, perguntou: -Quem quebrou os potes?
-Fui eu. Respondeu o cangaceiro Ângelo Roque.

" ANGELO ROQUE - Vulgo LABAREDA "

"ZÉ BAIANO " .

A situação ficou tensa, os nervos à flor da pele, são dois valentes homens, prestes a medir suas forças.
O chefe voltou a perguntar:  
-Você num me respeita cabra?
- O tanto que você me respeita. Respondeu Ângelo Roque, desafiando o chefe, dizendo de pronto que com seu mosquetão cheio de balas, não tinha medo de homem nenhum no mundo.
Lampião destemido como seu comandado, levantou a arma ao mesmo tempo Labareda a sua também ergue; os dois ficam por alguns instantes a se olharem, a morte rondou o local, todos os demais cangaceiros ficaram calados, esperando o pior.

Neste momento, o cangaceiro Virgínio, cunhado de Lampião, interveio entre os dois, e grita que acabem com aquela briga, pois já não bastavam os macacos a lhes perseguir e brigar, agora eles companheiros das lutas cangaceiras, discutindo por motivos banais, prestes a se matarem.

Os dois homens valentes se olharam e deixando o dito pelo não dito, a coragem de ambos ficou comprovada, por pouco não acabando em tragédia para o bando aquele dia de l935.

Em 1938, Lampião foi morto na fazenda Angico, Estado de Sergipe. Após a morte do chefe, Labareda se entregou as autoridades, sendo depois anistiado pelo governo do Presidente Getulio Vargas. Reintegrou-se a sociedade através da ajuda do médico baiano Estácio de Lima, diretor da Casa de Detenção em Salvador, onde o cangaceiro esteve preso. Tornou-se Funcionário Público exemplar, jamais voltando a praticar qualquer tipo de delito. Faleceu já em idade avançada no estado da Bahia.

*ÂNGELO OSMIRO é Presidente da Soc. Brasileira de Estudos do cangaço -SBEC
Pesquisador e escritor do cangaço e Membro efetivo da ALMECE.


terça-feira, 30 de março de 2010

A Grota da Taipa de Zé Félix

A fuga da família Barra do bando de Lampião e o seu estranho esconderijo

Por Rostand Medeiros


Para os que desenvolvem pesquisas espeleológicas na zona rural dos municípios potiguares de Felipe Guerra e Governador Dix-Sept Rosado, é muito normal ouvir histórias sobre a passagem do bando de Lampião pela região. São narrativas contadas à noite, nos alpendres das casas sertanejas, pelos filhos e netos de falecidas testemunhas daqueles dias complicados. Atualmente, é cada vez mais raro ouvir esses fatos diretamente das testemunhas oculares, pessoas que estiveram diante dos cangaceiros ou tiveram suas vidas alteradas pela passagem daquele bando sinistro e que jamais foi esquecido. Recentemente, porém, os membros dos grupos espeleológicos os quais trabalham na área tiveram a rara oportunidade de ouvir a história de uma senhora, que contou como ela e sua família, para fugirem do flagelo do cangaço, utilizaram como esconderijo uma pequena cavidade da região.

Na horda sinistra

No dia 12 de junho de 1927, um domingo, fazia dois dias que o bando do cangaceiro pernambucano Virgulino Ferreira da Silva, o famoso Lampião, estava em território potiguar. Seu objetivo era assaltar a
próspera cidade de Mossoró, fato que culminou numa das mais interessantes páginas da história do
cangaceirismo. Vindos da Paraíba, o bando, que oscilava entre quarenta e cinco a cinqüenta e cinco homens, havia cruzado a fronteira na altura da cidade potiguar de Luís Gomes, trilhando um caminho onde não faltaram roubos, seqüestros e assassinatos. As comunidades que estavam na possível rota dos cangaceiros, portanto, estavam todas em estado de alarme. Mantiveram um vitorioso combate contra a polícia potiguar na região da atual cidade de Marcelino Vieira e, de lá, contornaram a grande Serra de Martins. Na manhã daquele domingo, os bandidos passaram próximos à pequena Vila de Gavião, atual cidade de Umarizal, sem atacá-la e continuaram seu trajeto em direção ao norte.

No pelotão de frente do bando, como batedor, seguia um dos homens de confiança do chefe Lampião. Era um cangaceiro moreno, baixo, forte, com idade aproximada de trinta e sete anos, conhecido como Sabino. Perigoso e valente, não é surpresa que uma das funções dessa figura era realizar os primeiros contatos e ataques às fazendas da região. Como Sabino não conhecia a área, ele utilizava muita violência para conseguir informações sobre os proprietários mais abastados, bem como os caminhos a serem seguidos, partindo para suas rapinagens com um pequeno número de cangaceiros, mas sem se afastar muito do grosso do bando. Por volta do meio-dia, depois de "visitar" as fazendas Campos, Traíras e Arção, os liderados por Sabino dominaram a Fazenda Santana. Antes, porém, da tomada dessa última propriedade, o grupo avançou para um ataque rápido à próspera Fazenda Mato Verde.

Assim, em meio à notícia da aproximação do bando de Lampião e a todo o tumulto que tomou conta da região, uma garotinha de dez anos, Leonila Tomé de Sousa, via seu mundo virar de pernas para o ar. Leonila era uma das dez filhas da proprietária da fazenda Mato Verde, Teonila de Sousa Nogueira. Essa senhora,como todos na região, estava assombrada com a passagem desse bando sinistro e imaginava o que poderia fazer para proteger suas filhas e outros parentes. Quanto às mulheres, principalmente, pairava o medo constante e concreto diante da ameaça de violências sexuais as quais poderiam ser perpetradas pelos cangaceiros, pelo que, era preciso esconder as moças de Mato Verde dos bandidos de Lampião.

Fuga da Fazenda

Segundo o pesquisador Sérgio Augusto de Souza Dantas, autor do livro ,através de informações coletadas junto a José Pinto Barra, morador do Sítio Brejo, foi o agricultor Sebastião Ferreira, conhecido como "Bicho Tiota", que na noite anterior, 11 de junho de 1927, trouxe aos moradores da Fazenda Mato Verde a notícia da aproximação do bando.

Passados oitenta e um anos, Dona Leonila recordou aos espeleólogos que ela e suas irmãs fuga da fazenda

Lampião e o Rio Grande do Norte - A História da Grande Jornada debulhavam vargens de feijão, quando chegou o lavrador com a notícia, mas confessou que, na sua ingenuidade infantil, não acreditou na história de "Bicho Tiota". Lembrou, perfeitamente, que o agricultor afirmou que o bando viria pela ladeira do Sítio Riacho Preto, a pouca distância da fazenda. Diante desses fatos, sua mãe partiu para juntar tudo que pudessem carregar e se esconderem, mas, devido à chegada da noite, decidiram dormir na fazenda. Tomaram o cuidado de deixarem as portas abertas para uma rápida fuga, sempre com alguém assumindo a posição de vigilante, para alarmar ante a aproximação de estranhos.

Pela madrugada, unidas a outros familiares, Dona Teonila Nogueira e suas filhas partiram em busca de abrigo e apoio dos parentes que habitavam na área da Fazenda Passagem Funda, a quase quatro quilômetros de sua propriedade. Segundo Dona Leonila, ao chegarem ao local, mesmo diante de toda aflição, sua mãe levou todos para orar e pedir proteção na Capela de São Pedro. Inaugurada em 29 de junho de 1903, esse templo católico foi construído pela família Barra e se mantém, até hoje, em perfeito estado de conservação, como uma lembrança daqueles tempos turbulentos.

Na Fazenda Passagem Funda foi indicado, como esconderijo à família, um abrigo nos contrafortes do paredão  calcário que margeia o principal rio da região, o Apodi. Atualmente, esse local é conhecido como "Grota da Taipa de Zé Felix". A origem desse nome, segundo a tradição oral dos moradores locais, deve-se ao fato de ter habitado, nas proximidades do paredão, um velho senhor, o qual seria um ex-escravo. Trazendo, portanto, os pertences que puderam carregar, a família foi tratando de descer a parede do vale através de uma pequena trilha, até hoje aberta e bem conservada, buscando acomodações na exigüidade do espaço da grota.

Somados à família de Dona Teonila Nogueira, foram os parentes Adauto Câmara, Maria Eulália Câmara e cinco filhos. A senhora Maria Eulália havia dado a luz há poucos dias, mas, mesmo debilitada, o medo era tamanho que em nenhum momento ela pensou em deixar de utilizar a gruta como abrigo. Assim, em meio ao manto da noite, todos os parentes foram se acomodando da melhor forma possível, imbuídos em um temor terrível, aterrorizados pela ideia de que, a qualquer momento, algum bandido surgisse no local.
   

Marcas da fuga: O antigo casarão da Passagem Funda, com mais de duzentos anos, onde Dona Teonila bateu pedindo ajuda na noite de 11 de junho de 1927. Imagem de S. Almeida Netto. 



 Mãe e filha: Leonila (abaixo) ainda guarda lembranças lúcidas da coragem da mãe, Teonila (acima). Reprodução Ricardo Morais.  


Abrigo na gruta

Durante alguns dias, todos faziam o possível para evitar que a fogueira, acesa para cozinhar, fosse alta, ou exalasse muita fumaça, sendo, assim, percebida pelos cangaceiros. Dona Leonila recorda que, apesar das dificuldades passadas, os dias vividos na "Grota da Taipa de Zé Felix" não deixaram de ter seu lado de aventura e novidade para uma menina de dez anos.

Quem atualmente visita o local, encontra-o preservado, como era naqueles estranhos dias de junho de 1927. O panorama da parte mais alta do paredão é belíssimo, marcado pelos meandros largos e sinuosos do Apodi. Mais à frente, avista-se o antigo pontilhão, o qual liga as duas margens do rio.

O acesso à cavidade é difícil, devido ao declive, devendo ser feito com cuidado, sendo a área bem provida de árvores, que margeiam o rio. Apesar do local estar localizado a uma distância média de vinte metros das águas do Apodi, à meia altura do paredão, chamam atenção três frondosas e antigas oiticicas (Licarnia rigida) que camuflam totalmente a cavidade, compreendendo-se o porquê da utilização dessa área como esconderijo.

Quem está à distância, praticamente ignora que naquele ponto há um abrigo com condições mínimas para seres humanos se protegerem dos elementos naturais, na forma qual se valeram àquelas pessoas. Sobre a cavidade, tecnicamente, ressalta-se que sua formação está intimamente relacionada aos meandros do Rio Apodi.

Sua gênese está associada ao desprendimento de um grande bloco calcário, que gerou uma fratura na parte alta do paredão. Tal fratura é bastante visível aos que caminham na trilha, denotando as largas possibilidades de haver, logo abaixo, alguma estrutura espeleogenética. A Grota da Taipa de Zé Félix é um abrigo calcário que se estende por praticamente cem metros, acompanhando à margem do rio. Em alguns trechos, torna-se mais profundo, mas, em média, é bem raso. Sua importância história e cênica, porém, é inquestionável, destacando-se o local como de relevante valor ambiental.

Os cangaceiros

Os cuidados tomados pela mãe de Dona Leonila Sousa tiveram fundamento. Na tarde do dia 12
de junho de 1927, Sabino e seu pequeno grupo de cangaceiros estiveram na Fazenda Mato Verde.
Ao encontrarem a propriedade abandonada e desprovida de objetos de valor, os celerados quebraram inúmeros objetos, praticando desordens, retornando, entretanto de mãos vazias. Contudo, ainda nesse dia, Sabino conseguiria saborear uma vitória. Por volta das quatro horas da tarde, o pequeno grupo de cangaceiros seguia o caminho de retorno à Fazenda Santana para se juntarem ao bando sinistro. Foi quando o cangaceiro conhecido como "Coqueiro" avistou um carro com dois ocupantes e o ordenou parar.

Não sendo obedecido, o bandido não titubeou e abriu fogo contra o velho. No automóvel seguia o motorista Francisco Agripino de Castro, conhecido em Mossoró Chevrolet como "Gatinho" e o rico comerciante e fazendeiro Antônio Gurgel do Amaral, que buscava alcançar a sua fazenda no lugarejo conhecido como "Brejo do Apodi". Sabino fez ambos prisioneiros e os levou ao encontro de Lampião.

O chefe, então, ordenou que o motorista "Gatinho" levasse um pedido de resgate à família do prisioneiro. Para Antônio Gurgel do Amaral, homem culto, que havia feito parte da Intendência de Natal (cargo na atualidade equivalente ao de prefeito), produtor de algodão de reconhecida capacidade, começava um suplício que o faria prisioneiro do bando de Lampião até 25 de junho. Sobre o seqüestro, Gurgel deixou como legado um pequeno e precioso diário de sua convivência com o bando de cangaceiros.

Morando na Gruta


Para muitos na região, persiste a idéia de que o provável objetivo do sub-grupo de cangaceiros de Sabino não seria a Mato Verde, mas a pequena Vila de Pedra de Abelha, atual município de Felipe Guerra. Talvez pelo fator tempo, distância, dificuldades de acesso ou por terem informações de que a vila era pequena, Sabino desistiu do intento. Para Dona Leonila e seus familiares, protegidos no abrigo de calcário, esses acontecimentos eram desconhecidos.

Ela informou que várias outras pessoas buscaram abrigos nas cavernas da região, principalmente nas cavernas do "Lajedo do Rosário". Igualmente, os mais idosos moradores da Passagem Funda, narram histórias de pessoas abrigadas em cavidades naturais, como a Carrapateira. Durante aqueles dias de medo, mesmo após a chegada da notícia do fracasso do ataque do bando de Lampião a Mossoró, poucos ousaram voltar às suas moradias. Como a localização do bando continuava incerta e as notícias eram todas tratadas como boatos, a atitude mais prudente era continuar em seus esconderijos. Segundo Dona Leonila, no caso de sua família, a permanência na cavidade foi de quase trinta dias.

A Grota da Taipa de Zé Félix: Pequeno abrigo que serviu de refúgio, durante quase trinta dias, a mais de quinze pessoas no ataque.  
Imagem de Ricardo Morais.




Patrimônio natural e cultural: A proximidade do Rio Apodi faz com que o entorno do abrigo possua rica fauna e flora, o que, somado à importância cultural do local, reforça a necessidade de preservação. O antigo casario, contemporâneo à época do ataque, ainda se encontra bem preservado (acima). Imagem de S. Almeida Netto. 

A história do cangaço, especificamente no tocante ao ataque de Lampião a Mossoró, verdadeiro divisor de águas na vida desse cangaceiro, já foi contada e recontada em vários livros, jornais, folhetos de cordéis e em inúmeros trabalhos acadêmicos. Contudo, muitos detalhes paralelos à passagem do bando de cangaceiros pela região foram deixados de lado e gradativamente são esquecidos. Nesse sentido, ouvir e resgatar essa história, através das lúcidas lembranças de Dona Leonila Sousa, no alto dos seus bem vividos noventa e um anos, é grande privilégio.

Matéria da revista eletrônica Lajedos nº 1 - Abril de 2008. 
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segunda-feira, 29 de março de 2010

Heróis "quase" anônimos da história

Theophanes Ferraz Torres

Por Geraldo Ferraz de Sá Torres Filho

Nasceu na cidade de Floresta - PE, aos 27 de dezembro de 1894, filho, primogênito, de Fernandina Ferraz e Antônio Miguel Torres. Naquela oportunidade, o Brasil atravessava e adaptava-se a uma grande mudança política ocorrida aos 15 de novembro de 1889 - a Proclamação da República.
 

Governava o município o tenente-coronel Fausto Serafim de Souza Ferraz, bisneto do capitão Dâmaso de Souza Ferraz. Fausto era neto de Antônio de Souza Ferraz que, por sua vez, era irmão do trisavô de Theophanes, o alferes Bonifácio de Souza Ferraz. Naquela época a Vila de Floresta ainda não tinha os tamarindos. A iluminação era a candeia; nos lares, as lamparinas a querosene ou os candeeiros que funileiros faziam artesanalmente com latas vazias. Água, buscava-se no Pajeú, em potes ou latas, nas cabeças das carregadeiras.
 
O povo, muito religioso, freqüentava as duas igrejas existentes - a igrejinha do Rosário e a nova matriz, inaugurada em 1897. Tudo guardava ares de uma grande fazenda na cidade. Abrilhantando as festividades da passagem do século, ainda criança, assistiu, maravilhado, a execução de belas canções de uma das primeiras Bandas de Músicas do Sertão, organizada e dirigida pelo maestro Nepomuceno de Barros, mais conhecido por João Paulino, que havia sido o fundador, em 3 de julho de 1898, da Sociedade Musical 3 de Julho. 

O pequeno Theophanes

Aquela banda sempre daria incontestável brilho a vida de sua ordeira terra. Cresceu no meio dos muitos primos e leais amigos. Brincou, entre outras coisas, de vaqueiro, de polícia e ladrão e nadou, muito, no velho Pajeú, mais especificamente, no Poço da Pedra. Aprendeu a ler e escrever com o grande e exigente professor Francisco Cesar de Lima, mais conhecido como Chico Cesar. Tempos difíceis para sua formação familiar, religiosa e moral, porém, de muita importância para alicerçar e solidificar o cidadão que veio a ser.
 
Desde muito cedo, segundo parentes e amigos, Theophanes tinha intuições, como se aquilo fosse uma missão estabelecida para ele, uma delas é que entraria na polícia e prenderia o cangaceiro Antônio Silvino, que, por sinal, vinha a ser o ídolo de alguns moleques da sua turma.
 
No dia 20 de junho de 1907, através da Lei nº 867, a Vila cobria-se de enfeites e realizava grandes festividades, pois comemorava a sua elevação à categoria de cidade. Floresta podia ver crescer, tranqüila, os seus tão famosos tamarindos, plantados em 1905, que muito em breve aliviariam o calor da cidade e dariam a ela, mais tarde, o apelido de "Terra dos Tamarindos". Tinha no seu querido e inesquecível avô, o tenente José Arlindo Gomes Barbosa, que era alfaiate, o seu maior e leal protetor.
 
No dia 29 de novembro de 1911, estava a cidade, mais uma vez, em festa. O jovem Theophanes participou do cortejo de mais de 300 cavaleiros que acompanharam a comitiva que havia se deslocado até a cidade de Pesqueira - PE, em 16 de novembro, sob a responsabilidade de Antônio Serafim de Souza Ferraz, Antônio Ferraz de Souza (subprefeito) e João Barbosa de Sá Gominho, experimentados boiadeiros e afeitos a grandes travessias, a fim de conduzir até sua cidade, o primeiro Bispo Diocesano de Floresta, D. Augusto Álvaro da Silva. No mês seguinte, ainda no verdor dos seus 17 anos incompletos, com o coração pesaroso e sem conseguir vislumbrar qualquer possibilidade de realizar os seus maiores sonhos, deu um até logo à Floresta e veio para a cidade grande, a cosmopolita Recife, capital do seu Estado.
 
Apresentou-se, voluntariamente, ao então Regimento Policial do Estado de Pernambuco, aos 15 de janeiro de 1912, com 17 anos completos, a fim de servir ao seu Estado, na forma da Lei em vigor. Por ocasião de sua apresentação no Corpo da Guarda, sucedeu um fato muito importante para ele, foi recebido pelo então sargento Elísio Virgulino de Souza, que tornar-se-ia, daquela data em diante, um dos mais leais amigo e seu dileto compadre. Devido ao interesse e espartana dedicação ao serviço militar foi logo notado pelos seus superiores e, no primeiro ano de incorporado, obteve várias promoções - anspeçada, cabo de esquadra, furriel, primeiro sargento, sargento ajudante e alferes. Deslumbrava-se com o progresso da Capital e assistia assustado, a partir daquela época, a tremenda mudança urbanística do Recife, que não respeitava, nem mesmo, os templos religiosos e os monumentos mais significativos da sua história.
 
Em fevereiro de 1913 seguiu em diligência para o interior de Pernambuco, onde teve o seu batismo de fogo contra os cangaceiros. Voltou a Capital em março e, em maio seguiu, de novo para Vila Bela onde seria nomeado delegado de polícia, pela primeira vez, aos 18 anos de idade.
 
Em agosto de 1914, Theophanes e seus companheiros foram informados que havia estourado, no Velho Continente, uma grande guerra, a primeira entre várias nações, que muito transformaria o panorama mundial. No segundo trimestre daquele mesmo ano, com 19 anos, foi nomeado, novamente, delegado de polícia de Vila Bela, onde teve a oportunidade de impor a lei e promoveu a prisão de alguns bandoleiros que já possuíam uma certa fama. Em setembro daquele mesmo ano, quando da sua nomeação como delegado de Taquaritinga, estava para acontecer a realização de um dos seus sonhos - a captura do mais famoso cangaceiro daquela época, o temível Antônio Silvino, também conhecido como "Rifle de Ouro" ou "Governador do Sertão". Com aquela formidável prisão, conseguiu por fim a uma carreira de mais de 15 anos de terror no Sertão. Por conta daquele ato de bravura foi promovido ao posto de tenente e nomeado delegado de Limoeiro.
 
Em maio de 1915, teve que seguir em diligência para Vila Bela, comandado pelo capitão João Nunes, com a finalidade de impor a ordem pública. Na oportunidade, combateram os cangaceiros liderados por Né Pereira e seus capangas. Em julho daquele mesmo ano, foi homenageado em Floresta e teve o prazer de melhor conhecer aquela que viria a ser a sua futura esposa, a Srta. Amélia Leite Leal. Foi paixão fulminante, e, em 25 de novembro, casaram-se em Floresta. A festa só não foi melhor porque Theophanes encontrava-se de luto, por falecimento da sua querida e inesquecível mãe Fernandina Ferraz, aos 18 de outubro daquele mesmo ano.
 
Em fevereiro de 1916, foi nomeado delegado de Polícia, assumindo a delegacia de Salgueiro e o comando da 6ª Região Policial. Em abril, assumiu como delegado de São José do Egito. 
Com o crescimento da violência em nossos Sertões, promoveu um desarmamento geral nas cidades em que era nomeado delegado. Nada escapava ao seu rigoroso controle. Em maio, foi aceito como sócio pela Sociedade "3 de julho" que, apesar de estar completando 18 anos de fundação, atravessava uma grave crise e encontrava-se na iminência de fechar as suas portas. Em setembro, escoltou até a cidade de Olinda o cangaceiro Antônio Silvino, que participaria, como réu, do que foi chamado "o júri do século". Em outubro foi nomeado delegado de Bom Conselho de Papacaça.
 
Em janeiro de 1917, devido a morte do deputado estadual Júlio Brasileiro, no Recife, foi incumbido de garantir a ordem na cidade de Garanhuns, ao chegar naquela cidade encontrou terrível carnificina na cadeia pública, episódio que passou para a história como a hecatombe de Garanhuns. 

Tratou de impor a ordem com muito sacrifício, pois o seu contigente era pequeno e a cidade estava tomada por cangaceiros. Graças ao bom Deus realizou com sucesso aquela duríssima missão e, por conta deste seu trabalho, foi promovido ao posto de capitão e nomeado comandante do Esquadrão de Cavalaria. Durante aquele ano realizou serviços de grande importância naquela Arma e participou, pessoalmente, da compra de cavalos, fardamentos e de diversas comemorações, entre elas, a abertura dos trabalhos do Congresso Estadual e a que festejou o 1º Centenário da Revolução de 1817. 


Com a sua enérgica ação, conseguiu, em março, proteger a vida do ex-governador de Pernambuco, o General Dantas Barreto e da sua comitiva, por ocasião dos tumultos ocorridos nas imediações do Teatro do Parque, no Recife. Em junho, cangaceiros liderados por Sinhô Pereira e Luiz Padre atacaram propriedades em Vila Bela e teve que deixar, temporariamente, o comando da Cavalaria a fim de seguir como delegado daquele município e, mais uma vez, impor a Lei. Além da delegacia, assumiu o comando das 2ª e 3ª Regiões Policiais. Voltou para o Recife em outubro e assumiu as funções de comandante da Cavalaria. 


No início do mês de novembro, talvez motivado pela declaração de guerra contra a Alemanha, alguns maus brasileiros acharam que poderiam derrotar aquele país, destruindo suas propriedades no Recife. Theophanes, com a sua bem treinada Cavalaria, teve que agir com muita energia para colocar ordem e fazer respeitar a nossa Constituição Federal.
 


Em janeiro de 1918, junto com outros comandantes da Força, regulamentaram a formalização do Cassino da Força, que, mais tarde, possibilitaria o desenvolvimento de atividades recreativas da oficialidade e de seus familiares. Durante o governo do eminente Dr. Manoel Borba, foram realizados intensos investimentos no aparelhamento e na modernização da nossa Força Pública. Em maio, iniciou o patrulhamento noturno nos subúrbios do Recife e, em julho, foram brindados com um novo e moderno Quartel de Cavalaria, na Avenida João de Barros. Em agosto teve que deixar, mais uma vez, o comando da Cavalaria e seguiu, com toda a urgência, para Vila bela a fim de assumir as 7ª, 8ª, 9ª e 10ª Regiões Policiais. Além do comando das mencionadas Regiões foi nomeado delegado de polícia daquele município.
 
Em janeiro de 1919, após os sucessos dos combates contra os cangaceiros, foi nomeado comandante da 2ª Companhia do 1º Batalhão e, no mês seguinte foi transferido para o comando da 3ª Companhia do mesmo Batalhão, ainda em fevereiro, motivado por problemas políticos na Capital, teve que comandar numerosa força de Cavalaria para impor a ordem na cidade. O cangaço tomava grande impulso naquela época e não dava trégua ao Governo, forçando-o a dar um maior combate aos fora da lei que apavoravam em Vila Bela (Sinhô Pereira), Cabrobó (Mororós); Paraíba (Cícero Costa); e Alagoas (Porcinos, tendo como cabras os irmãos Ferreira). Em trabalho conjunto com Forças cearenses e paraibanas, adotaram medidas mais enérgicas para combater o banditismo. 


No final daquele ano, após longos meses de intenso trabalho e graças a ação efetiva e conjunta, conseguimos cumprir a nossa missão, limpando a área da ação dos bandoleiros. O governador Manoel Borba, notando o crescimento assustador da bandidagem, sentindo a necessidade de manter tropas regulares mais próximas do teatro de operações e motivado pelas dificuldades de promover deslocamentos de tropas da capital para o Sertão, transferiu o 3º Batalhão para a cidade de Triunfo. 


A partir daí, a resposta seria mais rápida e mais eficaz. Em dezembro daquele mesmo ano, foi enviado para a cidade de Palmares, com o objetivo de evitar que acontecesse o que havia ocorrido em Garanhuns no ano de 1917. O ex-prefeito daquela cidade, Dr. Fausto Figueiredo, havia sido morto no Recife e o corpo seguiu com Theophanes para Palmares.
 
Em 1920, viveríamos dias agitados por movimentos paredistas, crise econômica e aumento do banditismo nos nossos Sertões. Conspirava-se contra tudo. Em novembro teve que seguir em diligência para o Sertão, com ponto de apoio na sua cidade natal, a fim de combater cangaceiros que aterrorizavam a Serra do Umã. Pela primeira vez um contingente militar entrava naquelas terras. Na ocasião foi gravemente ferido e só não foi morto graças a coragem dos seus leais soldados. O que ocorreu com Theophanes forçou reuniões de tropas em Salgueiro.
 
No mês de abril de 1921, ainda se recuperando do ferimento sofrido, seguiu em diligência de Floresta para Vila de Betânia e Riacho do Navio, em companhia de Optato, José Caetano e o tenente Carneiro, para encontro em Jatobá de Tacaratú. Naquela cidade, encontrar-se-iam com as Forças de Alagoas, chefiadas por José Lucena. Na oportunidade, tiveram vários encontros com os Porcinos e com os irmãos Ferreira. Em dezembro foi recolhido de Floresta, assumiu o posto de ajudante do estado maior da Força e foi elogiado pelo comandante José Novaes, que estava deixando o cargo.
 
Em março de 1922, mais uma vez teve que seguir para Floresta e Vila Bela, motivado pela ação dos cangaceiros. Foi recolhido em maio. Naquele mesmo mês foi nomeado delegado de Taquaritinga, vindo recolhido em junho. Em julho foi nomeado delegado de Vertentes e em agosto, com 27 anos, foi promovido ao posto de major. Em setembro assumiu, pela segunda vez, o então Regimento de Cavalaria. Em outubro participou da posse do novo governador de Pernambuco, o Dr. Sérgio Teixeira. Problemas de insubordinação civil, levaram-no a cidade de Vitória de Santo Antão, a fim de promover inquérito policial.
 
No início de 1923, tiveram que agir com rigor para conter uma grande greve na Pernambuco Tramways. Em maio, motivado pelo assassinato do coronel Joaquim Leão, prefeito de Correntes, foi nomeado delegado daquela cidade. Em outubro, foi nomeado delegado de Jatobá de Tacaratú e comandante do destacamento local. Naquela oportunidade Lampião estava sendo perseguido por forças da Paraíba e de Pernambuco.
 
No início de 1924, seguiu em diligência para o município de Boa Vista, fronteira com a Bahia, a fim de dar combate ao cangaceiro Dom Vila Bela - vulgo Dativo. Lampião atacava o Distrito de Santa Cruz, município de Triunfo e não dava mais sossego no Sertão. Em março foi nomeado, pela primeira vez, Comandante Geral das Forças em Operações na Zona Sertaneja, com sede em Vila Bela.

Naquela época agiam os seguintes bandos: Lampião, Meia-Noite, Antônio Rosa, Cícero Costa, Sabino Gomes, Beneditos, Cipaúbas, e Gabriel Alecrim. Theophanes promoveu, de imediato, ajustes e mudanças no trajar e na forma de combater os cangaceiros. Agora a formação da sua tropa contava com grande contigente de soldados locais, afora o auxílio de agregados, que eram chamados de cachimbos. 


Logo no final do mês de março, ocasião que organizava uma super volante, teve a felicidade de encontrar Lampião e feri-lo no combate na Lagoa Vieira, município de Vila Bela. A vida daquele cangaceiro esteve por um fio. No início do mês de abril, mais uma vez destroçou o bando de Lampião na Serra da Panela. 


No início de julho suas forças combateram o cangaceiro Antônio Rosa e no final daquele mesmo mês, combateu, pessoalmente, o cangaceiro Sabino Gomes na fazenda Abóboras, município de Vila Bela, na fronteira com a Paraíba. Naquela oportunidade, Lampião autorizou o ataque a cidade de Souza, na Paraíba, provocando o ódio do coronel José Pereira e o início, para valer, de uma grande perseguição. Com aquela atitude Theophanes ficou muito contente, pois sabia que os esconderijos dos cangaceiros ficava naquela região de Princesa e, agora, o combate era sério. O temível bandido Meia-Noite seria morto em combate em Tataíra, fronteira da Paraíba com Pernambuco. Em setembro seguiu em diligências para observar de perto a movimentação das tropas. 


Em Jatobá ocorreria um conflito que terminaria envolvendo seus soldados, resultando na morte de um coletor estadual e de sua mulher. Após aquele conflito, Theophanes adquiriu inimigos gratuitos naquela cidade, sem que ele tivesse nada a haver com o fato. Diligenciou e descobriu que os Ferreiras andaram por Vila Bela, que sabiam de todos os movimentos da sua tropa e tudo que acontecia naquela cidade. Em novembro, foi nomeado Delegado de Petrolina e passou o comando das Forças para o tenente Higino Belarmino.
 
O ano de 1925 transcorreu sem grandes novidades. Impunha a Lei em Petrolina e era muito estimado por todos. Daquela cidade, Theophanes informava ao governador de Pernambuco e ao comando da Força Pública sobre as andanças das Colunas de Revoltosos. Lampião e seu bando campeavam pelos Sertões e impunham o reinado do terror.
 
No início de 1926, seguiu com alguns soldados para Ouricuri a fim de juntarem-se ao comandante João Nunes com a finalidade única de defenderem o nosso território contra a Coluna de Revoltosos. Nossas forças conseguiram brilhante vitória em Valença, no Piauí. Retornou para Petrolina, a pedido do governador, e centrou sua preocupação com a efetiva invasão que se aproximava. Em fevereiro, os revoltos invadiram Pernambuco e emboscaram o coronel João Nunes, provocando baixas em nossas forças. Em julho, de regresso, os revoltosos passam, mais uma vez, pelo nosso território e foram perseguidos tenazmente pelas nossas forças até a sua saída definitiva para o Piauí. 


Neste meio tempo, Lampião aterrorizava o Sertão Pernambucano e descarregava sua ira contra o povo ordeiro de Nazaré. Agindo assim, Lampião provocou o clamor público e a sociedade cobrava do governador de Pernambuco uma atitude mais enérgica no combate ao cangaceirismo. Em setembro foi nomeado comandante das forças contra o banditismo reinante no Alto Sertão, tendo Salgueiro como sede. Em novembro, foi, pela segunda vez, nomeado comandante geral das forças volantes, recebendo, para tal missão, carta branca do governador Júlio Mello. 


Naquele mesmo mês, em Vila Bela - sede das volantes, efetuou prisões de soldados da força que forneciam munição para Lampião e denunciou o apoio dado àquele bandoleiro por pessoas de representação daquela cidade. Em novembro, por pura pressa dos comandantes das suas forças volantes, sofreram baixas no ataque a Serra Grande. Theophanes considerava aquele ataque como um dos maiores combates que foi travado contra Lampião. Sabedor do ocorrido providenciou, de imediato, a reorganização das tropas e a perseguição foi tenaz ao bando de cangaceiros.
 
No início de janeiro de 1927, já reinava a tranqüilidade nos Sertões de Pernambuco. O antigo grupo de Lampião estava reduzido a metade. Em fevereiro, com a prisão do cangaceiro Beija-Flor, Lampião iniciou uma série de boatos com o intuito de desmoralizar Theophanes perante seus superiores e subordinados, divulgando que recebia munição do próprio comandante das forças volantes. De imediato, Theophanes solicitou seu afastamento e abertura de rigoroso inquérito. O clamor da população sertaneja foi sentida e verificada a mentira levantada, assim, o grande comandante foi autorizado a permanecer no comando das Forças. Durante aquele ano não foi dado trégua aos bandidos, todos os coiteiros mais famosos foram tirados de ação e muitos vieram ao Recife para dar explicações ao chefe de Polícia. Sem a ajuda dos coiteiros Lampião viu que agora ele estaria irremediavelmente perdido. Dia a dia Lampião via o seu grupo diminuir cada vez mais.
 
No final do mês de janeiro de 1928, como prova do saneamento moral dos nossos Sertões, o chefe de Polícia, Dr. Eurico de Souza Leão, pôde realizar, com a presença de Theophanes, seu antigo sonho de viajar pelos nossos Sertões. Graças ao imenso prestigio junto ao governador, Theophanes conseguiu a compra do prédio em Floresta que serviria de Quartel para o 3º Batalhão e a construção de estradas importantes entre Vila Bela e algumas cidades do Sertão, sendo a mais importante a que liga a Floresta. 


Com a construção dessas estradas ficaria fácil os deslocamentos das tropas e encurtavam-se as distâncias. Atendendo convite do chefe de Polícia, e sabedor do saneamento realizado, assumiu interinamente o comando do 2º Batalhão, em 30 de abril, no Recife, deixando o comando das forças volantes aos cuidados do tenente Arlindo Rocha. Aquele bravo militar, em agosto daquele ano, escorraçaria o minúsculo grupo de Lampião para a Bahia,. No dia 30 de maio foi promovido ao posto de tenente-coronel, contando apenas 33 anos, e passou a comandar o 1º Batalhão no Quartel do Derby.
 
No ano de 1930 recebeu, com preocupação, as notícias dos movimentos que vinham acontecendo em Princesa, na Paraíba, envolvendo a figura do seu amigo coronel José Pereira. Em maio, com os seus auxiliares, receberam o Graf Zeppelin, quando da sua primeira viagem à América do Sul. Em julho, abafaram uma revolta comunista de sargentos da Força Pública. Em 03 de outubro, lutando por um governo legalmente constituído e pela honra militar, enfrentou os Revoltosos de 30, conseguindo algumas vitórias, só não encontrou o mesmo entusiasmo no seu comandante o Coronel Wolmer, que insistia em se entregar. Desiludido e com alguns soldados leais formou uma coluna independente e deixou o Quartel do Derby. De lá, tentou alcançar o 3º Batalhão em Floresta, que estava comandada pelo seu amigo o major Nelson Leobaldo.

A foto acima mostra a visita do Dr. Eurico de Souza Leão em 1928 à cidade de Belmonte, quando da inspeção ao Sertão pernambucano.
Só em Pesqueira é que foi sabedor da desgraceira que havia acontecido em Floresta e se refugiou na Serra da Cangalha, município de Custódia. Foi convencido pela sua esposa a se apresentar no Recife e buscar tratamento médico. Foi feito prisioneiro e jogado em uma cela da Casa de Detenção, sem as mínimas condições de higiene e humanidade, sendo posto em liberdade vigiada no dia 21 de outubro. Vencido, desiludido e doente acabou assim a sua vida. Deixou o plano terrestre e passou para o celeste, carregado de tristezas, em 11 de setembro de 1933, na cidade de Vila Bela.

*Com exceção da primeira as demais imagens foram ripadas do acervo de Ivanildo Silveira 
 
Nade neste Açude: Geraldo Ferraz

sexta-feira, 26 de março de 2010

Clássico do HQ Nacional

Quem conhece Raimundo Cangaceiro?
 



As Incursões Retóricas do Conselheiro

Solenidade realizada no Plenário da Assembleia Legislativa do Ceará, em comemoração aos 180 anos de Antônio Conselheiro.

 Poetas Lucarocas, Audífax Rios e Barros Alves

Antônio Vicente Mendes Maciel, o lendário místico quixeramobinense que exerceu apocalíptica pregação nos sertões da Bahia, ao contrário do que muitos imaginam, não era um iletrado. O Historiador João Brígido, contemporâneo daquele visionário que inscreveu o nome na história-pátria como Antônio Conselheiro, informa que ele cursara rudimentos de Latim com o Professor Antônio Ferreira Nobre, na terra natal. A formação escolar constara também de estudos da Língua Portuguesa, Aritmética, Geografia e Francês.

O Conselheiro, desde jovem propenso ao eremitismo, propensão esta que se exacerbou em razão de desilusão amorosa, era leitor da Bíblia, do "Lunário Perpétuo", das "Horas Marianas" e das "Práticas Mandamentais", livros sacros cuja leitura era piedosamente feita por quase todos os letrados católicos que habitavam os sertões nordestinos no século XIX. De par com essas leituras, durante quatro anos, Antônio Vicente Mendes Maciel acompanhou o Pe. Ibiapina, ex-advogado e orador fluente, que se tornara padre e missionário a construir hospitais, casas de caridade e cemitérios nos mais adustos lugarejos do Nordeste brasileiro. Há de se aceitar que de Ibiapina o futuro "Conselheiro" recebeu profunda influência, tornando-se ele próprio, além de construtor de igrejas e cemitérios, um orador exaltado e convincente, cujo discurso messiânico foi apreendido com fervor por milhares de seguidores.

Não apenas no púlpito ou em conferências particulares, sabia o Conselheiro admoestar e convencer com autoridade. Ao escrever ele conseguia expressar suas estranhas ideias com clareza e precisão, deixando explícito seu antirrepublicanismo nos "Discursos sobre a República", assim como orientações de caráter anticlerical nas "Prédicas Canudenses". O Conselheiro "escrevia muito", conforme depoimento dado ao historiador José Calasans por Pedro Nolasco, o Pedrão, um dos pretorianos da guarda pessoal de Antônio Conselheiro. E a escritura dele era "normal, límpida e de pessoa letrada", segundo o testemunho de Gustavo Barroso.

Caído o arraial de Canudos sob o fogo raivoso de 5 mil soldados, foram encontrados dois textos manuscritos assinados pelo "Peregrino" Antônio Vicente Mendes Maciel - ele não se autointitulava "Conselheiro" -, os quais se subordinavam aos seguintes títulos: "Tempestades que se Levantam no Coração de Maria por Ocasião do Mistério da Anunciação" (Belo Monte, 12.01.1897) e "Sobre o Santo Evangelho de Jesus e Apontamentos dos Preceitos da Divina Lei de Nosso Senhor Jesus Cristo". Nesses trabalhos, o Conselheiro apresenta sua cosmovisão do mundo, especialmente no respeitante à Política e à Religião.

Quanto à oratória do místico rebelde, diz-se que era "seca e rígida no que diz respeito ao homem nas suas relações com o sagrado". Na apreciação do Professor Bartolomeu de Sousa Mendes, autor de importante obra sobre o tema, foi exatamente esse aspecto real da oratória do Conselheiro "que apavorou as autoridades e os detentores do poder econômico da época, mas por outro lado, atraiu para sua órbita a grande massa da população que vivia subjugada a um sistema oligárquico e perverso". Com efeito, foi graças à sua oratória que o Conselheiro conseguiu transmitir de maneira convincente suas mensagens de justiça e condenação dos desmantelos do mundo, não apenas aos milhares de sertanejos incultos, mas também a algumas personalidades letradas, conseguindo destes um devotamento que persistiu até o último momento, quando Canudos caiu, a 5 de outubro de 1897, 12 dias depois da morte do cenobita revolucionário. Todavia, como bem disse Euclides da Cunha no clássico "Os Sertões": "Canudos caiu, mas não se rendeu"


Nade no açude de: Cumpadi Barros Alves

terça-feira, 23 de março de 2010

Enquanto você dorme e sonha...

O Cariri Cangaço 2010 já começa a ser construído 

Prezados amigos,

Com o tema: Cariri Cangaço - Coronéis, Beatos e Cangaceiros, esse evento de cunho turístico-cultural e científico; em sua edição 2010, terá novamente como cidades anfitriãs: Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha e Missão Velha; com a adesão ainda de Aurora e Porteiras. Reuniremos a partir de uma programação plural, dinâmica e universal, personalidades locais, regionais e nacionais, do universo da pesquisa e estudo das temáticas ligadas ao Cangaço, Tradições e Histórias do Nordeste.



O Evento em sua segunda edição terá um conjunto de 16 conferências, seguidas de debates, abordando temáticas ligadas à historiografia nordestina; distribuídas durante o período de realização do mesmo; 6 dias ; nos 6 municípios anfitriões. Os conferencistas são pesquisadores, estudiosos, escritores e professores, de renome nacional.

O Cariri Cangaço - Coronéis, Beatos e Cangaceiros, promoverá um conjunto de 23 Visitas Técnicas aos principais Pontos Turísticos da Região do Cariri, como também aos principais Sítios Históricos ligados ao cangaço na região. Em cada Visita Técnica teremos um estudioso e um guia turístico que fará a explanação sobre o ponto visitado.

O Cariri Cangaço 2010 é uma promoção da SBEC e uma realização das Prefeituras de Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha e Missão Velha, com o apoio vital da Universidade Regional do Cariri URCA; ICC- Instituto Cultural do Cariri; Centro Pró Memória Josafá Magalhães; ICVC - Instituto Cultural Vale Caririense, Fundação Memorial Padre Cícero, conta também as parcerias do SESC, do SEBRAE, do Centro Cultural Banco do Nordeste.

O evento programa além das Conferências, Debates e Visitas Técnicas; a II Mostra Cariri Cangaço de Cinema, Vídeo e Documentários; a II Latada do Livro Cariri Cangaço, onde os participantes terão a oportunidade de entrar em contato com as principais obras literárias sobre a temática; o II Grande Salão Cariri Cangaço, onde serão lançadas 8 novas obras literárias sobre a temática; de autores de todo o Nordeste e também São Paulo, além de 17 Apresentações Artísticas, com as mais significativas manifestações culturais e folclóricas de toda região do Cariri, das áreas das Artes Cênicas, Música e Cultura Popular.

O Cariri Cangaço - Coronéis, Beatos e Cangaceiros, acontecerá entre os dias 17 e 22 de Agosto de 2010, na Região do Cariri, sul do estado do Ceará. Conheça um pouco mais da historia desta iniciativa a partir do blog oficial do evento: cariricangaco.blogspot.com

Visite, comente, entre! A casa é sua.

Abraços,



Manoel Severo.

segunda-feira, 22 de março de 2010

TESE

Sertão Sangrento: Luta e Resistência 
por Jovenildo Pinheiro de Souza

CONCLUSÃO

Depois desse exaustivo estudo, pensamos que a análise do cangaço traz um fio condutor que vem de muito longe, ligando uma trilha que se inicia na cultura indígena e vem até nossos dias, enfocando um tipo de brasileiro diferente de outras regiões do país. Por isso, nossas conclusões abrange um tempo histórico, longo, que acompanha a formação étnica e cultural do homem sertanejo e de sua especificidade nordestina.

O processo de colonização do nordeste brasileiro, mais especificamente na região do semi-árido, produziu um tipo peculiar de sociedade. Os sesmeiros dos idos da Colônia plantariam a semente da qual iria germinar o fenômeno do cangaço, séculos depois. O extermínio dos índios, paralelamente à expropriação de suas terras - das quais eram os legítimos proprietários - para que fosse implantada a pecuária, provocou um longo período de insatisfação na região.

Enquanto os grandes proprietários mostravam-se insaciáveis no afã de conseguirem mais e mais terras, tomadas aos índios, aumentando, desta forma, o seu poder político, o restante da população, composta de comerciantes e pequenos sitiantes e vaqueiros, enfrentava dois tipos de problemas: a inclemência da natureza e a insensibilidade dos governantes. As secas periódicas e a coleta de impostos abusivos tornava a vida do sertanejo um fardo muito pesado a ser carregado. O poder central, durante o 2º Império, orgulhava-se de que “o perímetro da eficiência disciplinar” e o “âmbito geográfico da legalidade” 179 ampliavam-se cada vez mais recursos para o Tesouro. Um único problema impedia que o êxito governamental fosse completo: o cangaço, que resistia impunemente à ordem pública.

Foi nesse contexto histórico que ocorreu o movimento social que quebrou a relativa tranqüilidade do Império: a revolta do Quebra-Quilos. Este movimento de rebelião popular foi um exemplo ilustrativo da miopia e arrogância governamental com relação aos cidadãos-contribuintes. Segundo Armando Souto Maior, histórica e sociologicamente o movimento Quebra-Quilos poderia ser classificado como uma forma primitiva ou arcaica de agitação social: “em algumas cidades é mais do que tumulto e menor que uma revolta, noutras, é uma revolta quase articulada, onde se nota interferência de juizes ou padres e reflexos de dicotomia partidária imperial” 180.

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179 VIANNA, F. J. Oliveira. Populações Meridionais do Brasil (História-Organização-Psycologia). Primeiro Volume, 3ª ed., São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1933, pág. 306.
 180 MAIOR, Armando Souto. Quebra-Quilos - Lutas Sociais do Outono do Império. São Paulo, Editora Nacional, 1978, pág. 1.
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Esta rebelião popular foi duramente reprimida pelo Governo Imperial, enquanto que a causa principal que tinha dado origem ao conflito - a excessiva e injusta causa tributária - foi mantida e vem sendo aplicada sem solução de continuidade até o presente. Segundo estudos de economistas, o Brasil tem hoje “o aparelho tributário mais estúpido do planeta”, além de que o cidadão paga “a maior massa de impostos diretos ou ocultos da economia mundial” 181.

Alguns sobreviventes da repressão militar contra a rebelião do Quebra-Quilos fizeram a opção de continuar com a resistência passando ara a clandestinidade, tornando-se, então, os primeiros cangaceiros. O poder monárquico, tão cioso da eficiência do seu sistema repressivo contra a população civil, teve que admitir sua impotência contra o aguerrido tipo de combatente. Oliveira Vianna, referindo-se a este problema, afirma que “o poder monárquico não consegue integrar na sua área de legalidade efetiva essa região calcinada a espera, onde vagueiam impunes as hordas cangaceiras” 182.

Outro importante movimento de rebeldia social foi o de Canudos, quase que em seguida ao Quebra-Quilos. Nesta ocasião - já proclamada a República - o Estado elevou a repressão militar a um nível máximo. Contra a população de Canudos - “um adversário irresignável” 183 - o Governo republicano mobilizou tropas militares de um extremo a outro do país, totalizando trinta batalhões.

Estes contigentes militares, recrutados nas mais diferentes regiões do país e doutrinados segundo os cânones da jovem República, “viam-se em terras estranhas. Outros hábitos. Outros quadros. Outra gente. Outra língua mesmo, articulada em gíria original e pitoresca” 184. Estava aberto o caminho para o massacre da população de Canudos. Todo e qualquer excesso de violência militar contra a população civil estaria justificada e acobertada pelos chefes militares . Euclides da Cunha é taxativo ao afirmar que o que sucedeu em Canudos não foi uma ação de guerra convencional, e sim uma charqueada. Não a ação severa da lei, e sim a vingança 185.

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181 BETING, Joelmir. O Feijão Supérfluo, in jornal o Globo, de 12.12.1993.
 182 VIANNA, F. J. Ob. cit., pág. 307.
 183 CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Rio de Janeiro, 25ª ed., Livraria Francisco Alves, 1957, pág. 259
 184 CUNHA, Euclides da. Idem, pág. 461.
 185 CUNHA, Euclides da. Ibidem, pág. 505.
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Alguns anos depois da destruição de Canudos, e por aproximadamente três décadas, o cangaço teve um período de grande atividade. Os problemas sociais continuavam os mesmos e a insensibilidade dos governantes também. O desconhecimento da região sertaneja por parte das autoridades governamentais, aliada a uma evidente má vontade para com as aspirações do povo, era quase que uma norma política entre os dirigentes. Estácio Coimbra, por exemplo, Governador de Pernambuco na década de 20, não escondia de ninguém o fato de que para ele o sertão não passava de uma “terra de emboscadas” 186.

Foi também neste período que se incrementou a prática de se recrutar os próprios sertanejos para combaterem o cangaço e Lampião, principalmente. Os nazarenos constituem o exemplo mais eficiente desta prática. Durante anos estes valentes sertanejos atuaram em todo o Nordeste, como uma tropa especial de combate. Com o beneplácito do Governo e acobertados por seu comandantes , os Nazarenos utilizaram descontroladamente a força bruta, torturando ou matando adversários, reais ou imaginários. A desconsideração pela lei, aliada do sentimento de impunidade, gerou uma espécie de “cultura da violência”, a qual atingiria o seu auge durante a vigência do seu regime militar de 1964 a 1984, período esse classificado por José Honório Rodrigues como “esses malditos vinte anos” 187.

Analisando-se o fio condutor da repressão governamental, ao longo dos últimos quatro séculos da história do Brasil, a qual atingiu desde os indígenas até aos movimentos políticos de períodos recentes, compreende-se o tom de indignação de José Honório Rodrigues, quando debruçou-se sobre a verdadeira face da história d país. Sobre esta história cruenta, disse o seguinte:
“Já escrevi e repito que o enredo da nossa história, muito menos cordial que se julgou é muito mais sangrenta e violenta que se conhece. Foi por isto que Capristano de Abreu escreveu que o povo brasileiro foi sangrado e ressangrado, capado e recapado e que os alicerces foram construídos com sangue” 188.
Em um dos episódios que ilustram as palavras indignadas de Capistrano de Abreu, pode ser exemplificado pelos indígenas da tribo Pankararu, de Pernambuco.

Estes índios tem sofrido, desde o início da colonização portuguesa, um sistemático, processo de desapropriação de suas terras, habitadas por eles desde tempo imemoriais. Desde 1870, os Pankararu passaram a viver numa área demarcada de quase 15 mil hectares, de acordo com o ato assinado por Dom Pedro II. Em 1940, durante o Governo de Getúlio Vargas, a área originalmente doada aos Pankararu foi reduzida, sendo fixada em 8.100 hectares, devido à pressão de poderosos proprietários de terras, que cobiçavam a área. Atualmente, os índios Pankararu estão na iminência de serem desalojados do pouco pedaço de terra que lhes resta, por parte dos latifundiários, respaldados pelos órgãos governamentais, encarregados - em tese - de defendê-los.

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186 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do Sol - O Banditismo no Nordeste do Brasil. 1ª edição, Recife, Editora Massangana, 1985, pág. 154.
 187 RODRIGUES, José Honório. “O que é o Brasil, o que é a história do Brasil”, in jornal Folha de São Paulo, de 16.10.1984.
 188 RODRIGUES, José Honório. Idem, 16.10.1964.
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Os índios Pankararé descendentes diretos dos Pankararu, ao fugirem do confronto cruel contra os poderosos colonizadores e latifundiários, buscaram abrigo no Raso da Catarina, uma região tórrida e desértica, localizada nos sertões da Bahia. Essa tribo indígena adaptou-se ao duro clima da região e formou um tipo peculiar de sertanejo, bem marcado pelos costumes e tradições dos seus ancestrais.

No Raso da Catarina - uma região de mais de 5 mil metros quadrados os Pankararé conseguiram salvar as suas vidas e dar continuidade às suas tradições tribais. Ao longo do tempo e de geração a geração, os Pankararé conseguiram adaptar-se a desvendar os segredos mais ocultos deste deserto brasileiro. Nesse processo de conhecimento e vivência da região, a Natureza mostrou-se aliada e a terra fértil. Ao longo dos séculos, período no qual o deserto foi transformado em paraíso, os índios chegaram a conclusão de que a fauna e a flora dessa região são protegidas por seres espirituais, ou “encantados”, como eles assim os denominam. Essas figuras espirituais, segundo os índios, “são pequenos seres de pele escura, tamanho de criança, mas feições de adulto, muito fortes, que pune, com surras monumentais que abusam da natureza” 189.

Nesse mundo protegido pelos “encantados”. os Pankararé adquiriram a convicção de que “se os brancos não acabassem com a caça, a madeira e o mel, os índios não precisariam do governo para vir em sus defesa. Nós saberíamos vivermuito bem como os antigos. Pois o Raso da Catarina não é o deserto que parece ser. Aqui tem tudo que nós precisamos: água, alimento, remédio” 190.

E foi nessa região sagrada dos Pankararé, cheia de mistérios, lendas e sob a proteção dos guardiões “encantados”, que Lampião encontrou o seu refúgio ideal, uma espécie de santuário guerrilheiro, no qual descansava de suas idas e vindas, cansado das léguas tiranas do sertão. Um aspecto deve ser ressaltado: Lampião não invadiu o território dos índios Pankararé, não impôs o seu estilo de vida e nem desorganizou os costumes ancestrais da tribo. Ao contrário. Os índios Pankararé convidaram-no e ao seu grupo de cangaceiros para que transformassem o Raso da Catarina num abrigo seguro contra as perseguições policiais. O convite feito pelos índios e aceito por Lampião, demonstra que houve uma perfeita identidade cultural entre as duas partes.

A correspondência cultural e o nível de confiança entre os Pankararé e Lampião tornaram possível que o Raso da Catarina, mais precisamente onde está localizado o desfiladeiro de Trindade, se transformasse numa retaguarda segura e num ponto de apoio logístico de extrema importância para o chefe guerrilheiro. Durante quase uma década , Lampião e seu bando tiveram a proteção, o apoio e a inabalável lealdade dos Pankararé.

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189 BECCARI, Álfio. Raso da Catarina: vida e beleza no deserto. Ano 3, n.º32, Editora Globo, pág. 62.
190 BECCARI, Álfio. Idem, pág. 48.
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Dadá, viúva de Corisco e uma das sobreviventes do ciclo do cangaço, declarou que o melhor período se sua agitada vida no cangaço foi passado no Raso da Catarina. Disse ela:
Aquilo é que foi uma maravilha ... Não faltava nada. Todo dia tinha caça para comer, era cutia, tatu, peba, caititu. Do mato eles traziam as plantas para a gente fazer remédio e comer ... Hoje, quando ouço falar que o povo por lá passa fome, não acredito. Naquele tempo, no Raso, ninguém morria de fome. Só de tiro.” 191.
Ainda sobre esta íntima ligação entre os cangaceiros, a região e o povo, um depoimento de Zé Sereno, um ex-cangaceiro, é muito esclarecedor. Segundo ele, os cangaceiros sentiam-se no meio do povo como peixe do mar. Os comandantes das forças militares convencionais de combate ao cangaço, logo perceberam que o apoio, passivo ou ativo, da população civil para com os cangaceiros, transformava estes em adversários difíceis de serem derrotados através de operações militares convencionais. Os estrategistas militares priorizavam seus objetivos de guerra contra Lampião, atacando a população civil, numa operação em larga escala. O objetivo - segundo os estrategistas militares - seria secar o mar (o povo) e matar o peixe (o cangaceiro). O despovoamento dos sertões da Bahia, em 1932, que deveria resultar no isolamento total dos cangaceiros com relação à população, resultou num enorme fracasso.

Essa prática de seqüestro de população tornou-se um dos principais objetivos da doutrina de guerra contra movimentos guerrilheiros em várias partes do mundo. A guerra do Vietnam forneceu um exemplo clássico de aplicação dessa tática de guerra. Os Estados Unidos, ao sentir-se incapaz de derrotar militarmente os guerrilheiro vietnamitas, transformaram a população civil em alvo preferencial. Na formulação das medidas que seriam aplicadas contra a população civil, discutiu-se “desde o antiquado método nazista de tratar todos os civis como guerrilheiros potenciais, através do massacre e tortura seletivos, até ao estretagema atualmente popular de seqüestrar populações inteiras e concentrá-las em locais fortifica dos nas aldeias, na esperança de privar os guerrilheiros de sua fonte indispensável de suprimento e informação” 192.

No seu período de juventude, Lampião, ainda conhecido como Virgulino Ferreira, e exercendo a profissão de almocreve, teve oportunidade de estabelecer vínculos muito fortes com a sociedade e o povo sertanejo. O conhecimento da região, de forma detalhada, e a total identificação com o tipo de sociedade em que vivia, constituíram-se em preciosos triunfo que Lampião soube utilizar ao longo dos anos pontilhados por combates com efetivos militares. Esse aprendizado só foi possível graças aos anos em que ele almocrevou, transportando mercadorias entre várias cidades sertanejas separadas entre si por centenas de quilômetros.

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191 BECCARI, Álfio. Ibidem, pág. 68.
192 HOBSBAWN, E. J. Revolucionários. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1982, pág. 169.
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Os almocreves dos sertões nordestinos seguiam, com pequenas variações, o padrão adotado pelas caravanas afro-asiáticas e, posteriormente, portuguesas. No caso de Portugal, especificamente, os almocreves se especializaram no transporte de mercadorias do litoral para o interior e vice-versa. Durante séculos, estes constituíram-se na coluna vertebral dos transportes internos, até praticamente desaparecerem no segundo quartel do século XX. Embora sem ter um conhecimento cabal e completo do papel que desempenhava na sociedade, como uma das peças principais do progresso da circulação de mercadoria, pode-se subscrever a afirmação de Pedro Calmon, quando este descreve o almocreve como sendo o homem que , em última instância, “transportava as utilidades e as idéias , os bens materiais e as notícias do mundo” 193.

Portanto, através das linhas de distribuição de mercadorias vindas da Europa, da Inglaterra e de Portugal, principalmente, os almocreves abasteciam os sertão nordestino dos principais gêneros alimentícios, tais como: manteiga, velas, vinhos, charques, açúcar refinado, bolachas, etc.

Ulisses Lins de Albuquerque, no seu livro Moxotó Brabo, descreve a rotina dos almocreves da seguinte forma: “Havia poucos conhecidos à margem da estrada, nos quais, por vezes surgia uma bodega. Uma garrafa segura por um cordel, pendurado à porta ou à parede, era sinal que ali se vendia aguardente. Um sabugo de milho enegrecido ao fogo indicava que havia fumo. Um pedaço de madeira, quadrado, mostrava que a rapadura esperava o freguês. Outros sinais anunciavam que se vendiam, também, farinha, milho, feijão.

“À sombra de um juazeiro, de uma quixabeira, ou de outras árvores frondosa era procurada pelos almocreves, quase sempre onde existia uma aguada.” “Todos conduziam o seu farnel: carne, farinha rapadura, queijo e ali se regalavam, bebendo água fria, assim conservados nas borrachas... que eram de couro. “ 194.

E, mais adiante, descreve o que representa a chegada dos almocreves na sua vila, hoje a cidade de Sertânia. “Quando de regresso a Alagoa de Baixo, a vila como que se agitava. Os comerciantes surgiam às portas, curiosos uns, outros ansiosos pelas cargas que traziam o sortimento desejado” 195.
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193 PINTO, Estevão. História de uma Estrada-de-Ferro do Nordeste (Contribuição para o estudo da formação e desenvolvimento da Empresa “The Great Western of Brazil Railway Compant Limited”e das suas relações com a economia do Nordeste Brasileiro). São Paulo, Livraria José Olympio Editora, 1949, pág. 13.
 194 ALBUQUERQUE, Ulisses Lins de. Moxotó Brabo. 2ª edição, Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1979, pág. 109.
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Durante quase uma década, de 1910 a 1919, Virgulino Ferreira e seus irmãos mais velhos acompanharam o pai neste trabalho fascinante e de grande responsabilidade. Entre os treze anos de idade e pouco mais de vinte, Virgulino Ferreira, irmão e pai, compraram, venderam e distribuíram mercadorias numa vasta região do Nordeste. Nestes anos de formação da sua personalidade, Virgulino Ferreira teve oportunidade de conhecer algumas das principais cidades nordestinas, tais como: Pesqueira, Rio Branco (Arcoverde), Alagoa de Baixo (Sertânia), Belmonte, Salgueiro, Custódia, Petrolina, Vila Bela (Serra Talhada), Triunfo, Flores, Carnaíba, Floresta, etc. ..., e estados como Alagoas, Sergipe, Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. Estas cidades e estados formam o amplo cenário, no qual, futuramente, o jovem Virgulino Ferreira, já transformado, reencontraria os velhos amigos e inimigos, durante vinte anos de luta armada.

Sobre a importância do período em que Virgulino Ferreira exerceu a profissão de almocreve e o que isto representou para as suas atividades guerrilheiras, vale citar o que diz Billy Jaynes Chandler. Segundo este historiador norte americano, quando Lampião chegou à Bahia, em agosto de 1928, depois de uma longa e perigosa retirada, vindo de Mossoró, cidade do Rio Grande do Norte, não encontrou nenhuma dificuldade, já que “conhecia o norte da Bahia, pois quando rapazinho, viajava para com o seu pai, fazendo carretos” 196, isto é, almocrevando.

A mesma receptividade encontrou em Sergipe. Ainda segundo Chandler, neste estado nordestino “quase todo o povo do sertão estava pronto para ajudá-lo” 197.

Além disso, Lampião tinha “amigos importantes nas altas esferas do estado. As conjecturas sobre estes amigos influentes quase sempre apontam duas famílias, os Brito e os Carvalho. Os Brito, estabelecidos no importante porto de Propriá, no Rio São Francisco, eram tidos como um dos maiores proprietários do estado. As relações de Lampião com eles foram excelentes, pois era conhecido da família desde seus tempos de criança, quando transportava couro para eles” 198.

Ao longo das duas décadas de luta contra as forças militares de sete Estados nordestinos, Lampião demonstrou ser muito talentoso no emprego de táticas na guerra de guerrilhas. E um dos aspectos que devem ser ressaltados, nesta questão, foi a habilidade com que soube adaptar as roupas típicas dos vaqueiros nordestinos, transformando-as em eficazes trajes de guerra.

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195 ALBUQUERQUE, Ulisses Lins de. Ob. cit., pág. 170.
 196 CHANDLER, Billy Jaynes. Lampião - O Rei dos Cangaceiros. 1ª edição, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1980, pág. 125.
 197 CHANDLER, Billy Jaynes. Idem, pág. 208.
 198 CHANDLER, Billy Jaynes. Ibidem, pág. 208.
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O fato de Lampião ter adaptado as roupas dos vaqueiros em trajes de guerra, demonstra até que ponto ele tinha mergulhado nas tradições do povo sertanejo. Segundo Gustavo Barroso, os corpos de Jagunços ou Couraças surgiram durante a guerra da Independência, na Bahia. Com suas “roupas exóticas e armamento irregular, surgidos do próprio solo e cobrindo-se com chapéu de couro de vaqueiros” 199 também participaram, como voluntários, na guerra do Paraguai. Ainda segundo, Gustavo Barroso, “esses soldados encouraçados prendiam-se a uma antiquíssima tradição das nossas milícias sertanejas no período colonial” 200.

O Exército brasileiro mostrou-se interessado em conhecer e aprofundar o conhecimento sobre as roupas de combates utilizados para cangaceiros. E o resultado prático deste interesse foi a confecção de um uniforme militar genuinamente nordestino. Em 1987, o Exército mostrou ao então Presidente José Sarney a nova vestimenta. Este uniforme. utilizados por unidades baseadas na caatinga, é “muito semelhante à vestimenta tradicional do sertanejo... é composto por chapéu de couro, blusa cáqui com proteção de couro, como um gibão, calça cáqui com perneiras de couro, cinto verde com fivela preta, luvas e coturnos especiais” 201. Este novo uniforme foi adotado pelo Regulamento de Uniforme do Exército, passando a ser utiliza do pelo Comando Militar do Nordeste, nos Batalhões de Petrolina (PE), Cratéus (CE) e Companhia de Paulo Afonso (BA).

Vale salientar que a eficácia da roupa de combate dos cangaceiros teve a sua utilidade comprovada e reconhecida, não somente no Brasil, como também nos Estados Unidos. Como parte do intercâmbio mantido entre o exército brasileiro e o norte-americano, vigente desde 1984, cinco oficiais, membros da Escola de Infantaria Leve de Fort Benning, na Georgia, fizeram um treinamento de dois dias na região da caatinga de Petrolina, a 774 quilômetros do Recife. Os oficiais norteamericanos - dois deles participantes da Guerra do Golfo - foram treinados em técnica de sobrevivência e combate no sertão, por oficiais do 72º Batalhão de Infantaria Motorizada (72º BI). Segundo noticiou a Imprensa, os oficiais norteamericanos, ao concluírem o curso que os tornou aptos para operações em clima desértico, levaram para “ estudo o fardamento dos militares do 72º BI, de brim revestido em couro. O modelo, inclusive o chapéu, foi inspirado na indumentária dos cangaceiros” 202.

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199 BARROSO, Gustavo. História Militar do Brasil. Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1935, pág. 46.
 200 BARROSO, Gustavo. Idem, pág.78.
 201 JORNAL DO BRASIL. “Exército mostra a Sarney uniforme para a caatinga”, 25.8.1987.
 202 JORNAL O GLOBO. Tempestade na Caatinga, 25.9.1993.
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Com todos os dados e análises realizadas, chegamos a algumas conclusões. O Estado, durante o período estudado, era uma instituição oligárquica, forte, voraz, coletora de impostos e com um aparelho repressivo cruel. As classes sociais que se envolveram nos conflitos foram principalmente rurais: grandes proprietários de terras, médios camponeses de subsistência, pequenos fazendeiros, pequenos comerciantes e grupos militares da capital ou recrutados na região. Os conflitos se deram de forma desorganizada, sem plataformas políticas. Na maioria dos casos, lutava-se apenas pela sobrevivência diária. Com exceção parcial da Coluna Prestes, eram grupo pré-políticos, sem ideologia definida e sem plataforma política clara.

No campo da mentalidade, o cenário do sertão produziu um tipo de “personagem social” com características especiais e códigos éticos próprios. Os líderes carismáticos dessa região, através da população, transformaram-se em mitos: Conselheiro, Padre Cícero, Lampião e Prestes. Uns, através da literatura de cordel, outros através de intelectuais engajados ou de arquivos policiais, a histórias desses personagens foi construída ou destruída.

Pela desigualdade entre as forças combatentes e o apoio governamental, as lutas foram violentas, tornando o sertão um cenário sangrento. Se de um lado os cangaceiros eram cruéis, a repressão policial foi tão ou mais cruenta. O gênio militar de Lampião e o seu forte carisma, justamente com o conhecimento da área geográfica, do universo cultural e o apoio da população, tornaram-no o combatente que mais lutou e resistiu enfrentando a terrível repressão do Estado.

O mundo do cangaço e a vida de Lampião encontraram na literatura de cordel a forma ideal de expressão e divulgação. O cordel constituiu o verdadeiro documentário de costumes da população rural. Neste tipo de literatura encontram-se registradas “as impressões do povo a respeito de acontecimentos sucedidos no município, no Estado, em todo o País... denunciando costumes, atitudes, preferências e julgamentos” 203.

Sendo Lampião uma das figuras marcantes da região nordestina, em rebeldia contra a ordem estabelecida, os poetas populares transformaram-no, imediatamente, num herói. Antônio Conselheiro e Padre Cícero também foram elevados à condição de heróis, principalmente por sua qualidades de líderes populares. Desses três personagens pode-se afirmar que todas tiveram suas biografias exaltadas e cantadas nas feiras públicas das cidades sertanejas, nas vozes e nos violões dos poetas. As várias versões das vidas desses três personagens não foram produzidas por encomenda, com palavras medidas e cantadas. Ao contrário, eram versões biográficas produzidas no calor das paixões e entoadas pelos violeiros repetistes, com o aplauso das multidões. Nos versos apaixonados, o povo reconhecia os seus heróis, elevados à categoria de mitos - e aplaudia.

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203 CAMPOS, Renato Carneiro. Ideologia dos Poetas Populares. 2ª edição, Recife, Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, 1977, pág. 10.
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Um fato sobre o qual deve ser chamada a atenção é o que se refere à constatação de que os poetas populares “são geralmente individualistas: sempre observam a situação do indivíduo, poucas vezes a coletividade da humanidade” 204. Um paralelo entre Lampião e Luiz Carlos Prestes ilustra este assunto. Enquanto o primeiro constitui-se num fonte inesgotável de inspiração para os cordelistas, o segundo, por outro lado, foi quase que ignorado. Renato Carneiro Campos chega mesmo a afirmar que “não conhecemos folhetos escritos por poetas populares comunistas.

Sobre Carlos Prestes, figura carismática para grande parte do povo brasileiro, encontramos apenas referências feitas no folheto A Verdadeira História de Lampião e Maria Bonita, escrito por Manoel Ferreira Sobrinho...” 205. A legenda do Cavaleiro da Esperança, por não ter conseguido atrair a atenção dos poetas populares e nem da população nordestina, foi elaborada por intelectuais urbanos, militantes partidários, poetas engajados.

Enquanto os movimentos sociais citados anteriormente - Quebra-Quilos, Canudos, etc. ... - são conduzidos por lideranças vigorosas, reconhecidas pela população e perpetuados pela literatura popular e de cordel as atividades políticas de Luiz Carlos Prestes são divulgadas através de livros escritos por intelectuais, de forma bastante apologética. O romancista Jorge Amado é o exemplo mais conhecido dessa forma de glorificação do herói, num culto à personalidade, culto esse tão condenado pelos próprios partidos de esquerda.

Os estudiosos da cultura popular nordestina logo perceberam que a saga de Lampião e do cangaço não se deixariam aprisionar em imagens fixas e estereotipadas. Atento a este fato, Hermilo Borba Filho, jornalista, ator e tradutor de peças, pronunciou uma conferência no dia 28 de setembro de 1945, no Salão do Gabinete Português de Leitura. Nessa conferência - comentada por Joel Pontes - Hermilo chamava a atenção para o único caminho que poderia levar o teatro popular ao apogeu: “o aproveitamento dramático dos assuntos brasileiros. Segundo Hermilo, os heróis dos folhetos populares, tais como Lampião, Antônio Conselheiro e Zumbí, injetariam um novo ânimo e uma maior vitalidade ao teatro brasileiro.

Segundo suas palavras: ‘ Que se faça teatro com esse material e a multidão sairá das feiras para as casas de espetáculos e daí partirá para a compreensão para as obras de elite. Que se acostume primeiro com os dramas que vivem dentro dos seu sangue” 206.

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204 CAMPOS, Renato Carneiro. Idem, pág. 35.
 205 CAMPOS, Renato Carneiro. Ibidem, pág. 36.
 206 PONTES, Joel. Teatro do Estudante de Pernambuco. Revista Arquivos, 21-47, Secretaria de Educação e Cultura - PR e Imprensa Universitária, Recife, 1966, pág. 103.
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Desde o romantismo e a literatura cearense do fim do século, passando pelo modernismo e o movimento regionalista de 1926, até a sugestão de Hermilo Borba Filho, em 1945, havia plena concordância em que o teatro deveria fincar suas raízes nos motivos populares. E a cidade natal de Lampião, Serra Talhada, está dando um exemplo concreto de resgate, preservação e continuidade dos valores culturais da região. Durante as comemorações do Dia Mundial do Teatro - 27 de março - foi realizada a 3ª mostra de Teatro Amador Infantil. O nome de cada premiação era uma homenagem a Lampião e outros cangaceiros do seu bando. O melhor espetáculo ganhou o prêmio Cangaceiro; melhor espetáculo infantil, Prêmio Xaxado; Direção adulto, Prêmio Jurití, Direção infantil, Prêmio Zabelê; melhor ator, Prêmio Lampião; melhor atriz, Prêmio Maria Bonita 207.

Outro ponto que deve ser ressaltado é o que trata do significado da irresignação dos jagunços combatentes de Canudos e da insubmissão dos cangaceiros, liderados por Lampião. O mesmo solo e as mesmas raízes que produziram o messianismo e o cangaço, também resultaram culto da alegria de viver e na celebração da vida. No caso específico dos cangaceiros, estes quase sempre são mostrados de forma que sejam ressaltadas ”suas roupas coloridas, seus chapéus cheios de metais brilhantes.

Os momentos de descanso das infindas caminhadas pelo sertão calorento e dos sangrentos combates com a polícia eram ocupados pela dança. No bando de Lampião, a presença de mulheres celebravam os atos de amor. O reverso da luta contra a morte era a celebração da vida” 208.

A morte física de Lampião, em 1938, serviu de pretexto ara que o Estado - a partir de 1930, o monopolizador absoluto da violência - pudesse, enfim, tentar por em execução o plano de desvincular a história de Lampião e do cangaço da história real do país, transformando-a em peças de museu, catalogadas e expostas à curiosidade do público. O Museu Nina Rodrigues, do Instituto Antropológico e Etnográfico da Bahia, foi o local onde, por longos anos, estiveram expostas as cabeças cortadas dos cangaceiros. Janice Theodoro da Silva, ao resenhar o livro Os Cangaceiros, de Maria Isaura Pereira de Queiroz, resume, de forma admirável, o que classificou de institucionalização do discurso “científico” da repressão estatal . Escreveu ela:
“Se a sociedade não pôde aprisioná-los em vida, confinou, entretanto, suas imagens heróicas às vitrines do museu, para que o chapéu de couro, o Mosquetão, a Faca, a Cartucheira, os Bornais, o Lenço, a Pistola Parabellum e as cabeças mumificadas dos bandidos não lembrassem, ao público que vinha admirá-las, aquele tipo de organização social que estava fora do controle dos fazendeiros, da Igreja - revestida em seu personagem, Padre Cícero - e da própria repressão armada que, incapaz de aprisioná-los vivos, tiveram necessidades de confiná-los , depois de mortos, a todas as instituições repressoras, sem exceção: escadarias da Igreja na praça, quartel da polícia, Santa Casa com toda sua Misericórdia e, principalmente no Museu, para que nenhum desses dados da civilização material pudessem lembrar a vida e a liberdade 209.

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207 JORNAL DO COMÉRCIO. Artistas Comemoram o Dia Mundial do Teatro, 24.3.1994.
 208 MENDONÇA, Antonio Gouveia. As Lutas contra a morte social no Brasil, in A Vida em Meio à Morte num País do Terceiro Mundo, São Paulo, Edições Paulinas, 1983, pág. 42.
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Atualmente, passado tanto tempo, a memória popular registrou imagem cuja forma não pode ser ignorada. Nesta direção, poetas, pintores, escultores, teatrólogos, atores, cineastas, mamulengueiros e demais artistas e músicos populares, trazem todos os dias, a figura do Cangaceiro, especialmente a figura de Lampião, em obras de arte que são significativas no cenário cultural do Brasil.

Assim, terminamos este trabalho, lembrando o nosso poeta ibérico, mestiço e recifense, Carlos Pena Filho:

“Hoje todo mundo sabe
quem foi ele, o capitão
Junta o sabe e o não sabe
e inventa outro Lampião.
Mas, dele mesmo, não sabem
e nem nunca saberão,
pois ele nunca viveu,
não era sim, era não,
como essas coisas que existem
dentro da imaginação
Quem puder que invente outro


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209 SILVA, Janice Theodoro da. Resenha bibliográfica do livro Os Cangaceiros, de Maria Isaura
Pereira de Queiroz, in Revista História, vol. LVI, outubro-dezembro de 1977, São Paulo, pág. 617.
 210 FILHO, Carlos Pena. Livro Geral (Poesia): Episódio Sinistro de Virgulino Ferreira”. Rio de Janeiro, Livraria São José, 1959, pág. 17.
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Consulte a fonte:
Pelourinho.com